Gostar
de Sofrer.
O
psicanalista declara: -“O sujeito goza em seu sofrimento”.
O
povo traduz: - “As pessoas gostam de sofrer”.
Todo mundo sabe disso, usa a
expressão com
frequência, mas acha que é brincadeira por não ser possível, em
sã consciência,
alguém gostar de sofrer.
E,
no
entanto, isso é muito comum.
Como
ninguém
quer dar recibo, nem para si mesmo, do seu gosto do sofrimento,
acaba
incorrendo em uma prática dolorosa.
Não
querendo
ser descoberta, a pessoa intensifica suas queixas e dores para
melhor
justificar seu momento sofredor.
Assim,
aquela
que sofre pela velhice de um parente próximo, ou de uma doença
grave, ou
de uma perda importante, a cada dia, se surpreende com esse
fato, como se fosse
algo novo.
É
um modelo geral que se aplica às mais diversas situações da
vida.
Isso
explica,
em parte, o crescimento do diagnóstico de depressão. Estamos
vivendo uma epidemia de depressão.
A
pessoa não está muito bem, anda triste, esquecida, dorme mal ou
dorme muito, lá
vem a explicação: está deprimida.
Entre
não
saber o que tem e aceitar um rótulo que todo mundo compreende e
respeita, a
pessoa se agarra ao segundo.
Assim
foi
com Maria. Ela não poderia ter outra coisa se não estar
deprimida.
Com
distrofia
muscular nos braços e nas pernas, andando em cadeiras de rodas e
dependente do seu marido cheio de saúde, o diagnóstico estava
pronto só
faltando o psiquiatra-psicanalista avalisar, medicar, e explicar
como ela
deveria melhor se resignar a seu estado depauperado.
Mas não foi
nada disso que
ocorreu.
Na
primeira
consulta entraram os dois, Maria e seu marido. Era um homem de
forte
envergadura, vistoso, contrastante com o estado e o aspecto de
sua mulher.
Começada a entrevista, Maria mal falava, nem mesmo levantava a
cabeça.
O
analista perguntou se ela queria que o marido se retirasse. Ela
não respondeu.
Ele,
o
marido, repetiu a pergunta. Frente ao insistente silêncio dela,
afirmou o
analista: - “Sim, ela quer que o senhor se retire”. Surpreso,
ele saiu. Ato
contínuo, ela levantou pela primeira vez a cabeça e declarou:
- “Doutor, como é que alguém
pode estar bem
com um traste desses do lado?”. Começou a se queixar do traste
que a cansava,
pois, medroso de andar sozinho, a forçava a acompanhá-lo em suas
visitas de
vendedor.
Solicitada
a
contar a história de seus relacionamentos amorosos, com cara de
desalento,
explicou que aquele homem era o seu segundo marido e que tinha
se separado do
primeiro, pelo fato do anterior ser um traste maior ainda.
A
repetição da nomeação “traste” levou à pergunta se o seu
problema não seria a
“trastite”, ou seja, a escolha repetitiva de trastes como
objetos amorosos.
Ela
abriu
um sorriso radioso de confirmação do sintoma e vontade de falar
a
respeito. Seu tratamento começou assim, bem distante do
sofrimento
padronizável.
Moral
da
história: muitas pessoas se aferram a um sofrimento de alto
valor social,
para se justificarem em suas dificuldades.
Por
isso
gozam no sofrimento, perdendo a sua singularidade.
Cada
um
de nós chora ou sorri por detalhes irrelevantes aos olhos dos
outros.
Difícil é reconhecer e sustentar isso.
Dr.
Jorge Forbes é Psicanalista e Escritor
Fonte consultada:Artigo publicado na revista IstoÉ Gente, julho de 2014.