Trecho
de O
Ciclo da Auto-Sabotagem, de Stanley Rosner e Patricia
Hermes
Capítulo
1
Repetição
de comportamentos de identificação primária: conformidade versus autonomia
Muitos de nós gostam
de criar, experimentar, viajar, aprender, crescer — tornar-se
alguém.
Mas existem pessoas
que além de não conseguir enfrentar esses desafios e aventuras, são incapazes
até de imaginar tal coisa.
Esses indivíduos
agarram-se à crença de que a única maneira realmente boa e correta de levar a
vida é seguir precisamente os passos de outrem — freqüentemente dos pais.
Essa imitação dos
pais é conhecida como "identificação arcaica".
A menininha que se
equilibrava nos sapatos de salto da mãe cresce para se tornar uma adulta que
forçosamente usará o mesmo tipo de sapato. O garoto cuja família sempre passava
as férias numa choupana em Rainbow Lake, cresce e insiste em levar a família
para a mesma choupana em Rainbow Lake — às vezes, para a tristeza de sua atual
família.
Outros cozinham da
mesma maneira que a mãe cozinhava (mesmo que os resultados possam ser
aprimorados), vão para a mesma igreja, sinagoga ou mesquita, freqüentam o mesmo
teatro, e, às vezes, até moram na mesma casa.
Para esses
indivíduos, tanto na vida real quanto na íntima, não há espaço para a mudança,
para a inovação, não há espaço sequer para a
imaginação.
Mas o que será que
faz os indivíduos engajarem-se nesse comportamento repetitivo, nessa
identificação arcaica, mesmo à custa do próprio eu? Se alguém lhes perguntasse,
a resposta mais freqüente seria: "Bem, é a maneira
correta.
" Também é
confortável e familiar, e mudar não é fácil. Crianças pequenas querem e precisam
adquirir estrutura.
Elas precisam de
exemplos de comportamento. Elas buscam liderança nos pais. Então, o que há de
errado nisso?
Nada, claro.
O que está errado,
no entanto, é que alguns pais comunicam aos filhos que só a sua maneira de ser
é a superior. A criança cresce acreditando que todos são inferiores a seus pais.
Ninguém é tão bom ou tão correto quanto os pais. Para apoiar seu ponto de vista,
esses pais podem zombar da permissividade, da polidez ou do estilo de vida dos
outros. E isto é fato, mesmo quando coisas terríveis estão acontecendo no lar.
Se os pais são
esbanjadores, comprando tudo que aparece na frente, a criança percebe que é
dessa maneira que as coisas devem ser. Ela não tem noção de que os pais podem
estar à beira da falência.
Se os pais são
alcoólatras e a casa é uma bagunça, então a criança entende que pais são assim e
que é desse modo que os lares são. Se os pais são cruéis e punitivos, então a
mensagem é que essa é a maneira de manter a disciplina e de frear os desejos
perigosos e desregrados de alguém.
Somente quando a
criança cresce e observa outros estilos de vida, começa a questionar se o estilo
de sua família é realmente o único, ou se é o melhor.
Trata-se de uma
etapa normal do desenvolvimento, mas para famílias repressivas, como as que
menciono aqui, é justamente neste ponto que batalhas terríveis se iniciam,
batalhas que por vezes duram toda uma vida. Como se confrontar com pais tão
dominadores e controladores?
A criança fica
apavorada.
É um medo real e
imenso, porque envolve a única coisa que nós precisamos e pela qual ansiamos — o
amor.
Se a atitude da
família pouco amorosa determina que só posso gostar
de você se você for igual a
mim, a criança entende que só poderá ser
amada sendo os próprios pais, não ela mesma.
E, assim, começa a
se desenvolver o estilo de vida repetitivo da identificação arcaica —
identificação absoluta com os pais. Isto, por si só, já é uma tragédia e
tanto.
A próxima tragédia é
que a criança adulta começa agora a fazer o que os pais faziam, sempre tentando
alcançar o amor — comportando- se exatamente como eles.
É uma maneira triste
de viver a vida, e o trabalho com pessoas oprimidas me mostrou que é um modo de
viver difícil de ser mudado. A criança em fase de crescimento não poderia
arriscar-se a ser ela mesma, porque isto traria rejeição e raiva.
A criança adulta
leva isso adiante. Mas há outra batalha subjacente acontecendo.
Aqueles que imitam
os pais renegam e acobertam um desejo real de se
libertar.
Eu
quero muito me libertar.
Quero
tanto ser livre.
E
fico possesso com você, por não
me permitir a liberdade. Mas eu preciso de você.
Sem
você, fico sozinho. Sei como consertar isso.
Serei
exatamente como você,
exatamente da maneira que você quer que eu seja, e assim você me amará,
nem você nem eu saberemos quanto o odeio, quanto quero me ver
livre de você.
É apavorante, e
triste também.
E porque a maneira
deles está correta e a dos outros está errada, aqueles que repetem essas
identificações primárias caem no mesmo padrão. O mundo deles é o melhor dos
mundos; as regras de comportamento deles são as corretas e
apropriadas.
Mas, então, como
esses indivíduos conseguem fazer terapia?
E por que um
indivíduo como esses chega a pensar em fazer terapia? Afinal, ele está agindo do
modo que considera correto.
Às vezes, a pessoa
vem para a terapia por causa de conflitos causados por forças externas — o
simples fato de conhecer pessoas ou mesmo de se apaixonar.
O ser amado pode
pensar e agir diferentemente de sua família original, pode questionar os modelos
e valores daquela família. Isso pode começar a minar aquele ponto de vista
aceito e adotado por anos.
O que acontece a
seguir é uma imensa confusão interior e, com isso, uma grande tensão no
relacionamento com a família de origem.
Embora seja
assustador, pode ser um bom começo. Geralmente nesse ponto, o indivíduo fica
paralisado. Ele não consegue continuar reprimindo o impulso, em direção à
liberdade.
Mesmo que não vá
adiante, voltar atrás é impossível.
O que fazer?
Alguns movem-se para
os lados. Começam a agir de modo passivo-agressivo, — externamente, concordam e
aceitam as críticas aos pais, mas, por dentro, ficam se
corroendo.
Este embate gera
conseqüências para o indivíduo e para o relacionamento com a
família.
Talvez seja nesse
ponto que alguns indivíduos resolvem recorrer à terapia.
Às vezes os próprios
pais determinam a terapia na esperança de que "endireite" a criança — leve a
criança a se conformar.
Eles acreditam que o
tratamento vai fazer com que a criança pare de se comportar daquele modo e se
torne obediente, passiva.