quinta-feira, 19 de julho de 2012

SOCIEDADE ANESTESIADA

SOCIEDADE ANESTESIADA

Remediando a vida.

Expressão quase folclórica que exprime uma concepção catastrófica do mundo. A utopia de um mundo sem dor, sem sofrimento, acompanha a civilização desde a consciência do que a dor e o sofrimento sempre provocaram no ser humano e de que culminam na doença e na morte.

A tanatofobia com os horrores da fantasia da finitude, a solidão, a perda dos entes queridos, a ameaça insuportável da loucura povoaram a mente do indivíduo a partir do instinto de sobrevivência da espécie.
De alguma maneira se pode fazer a narrativa dos esforços da arte, da cultura, da ciência, como a luta contra o estresse, o desconforto da existência, o mal-estar da castração.

Em contrapartida, a vontade de exuberância, da alegria, do estado de bem-estar no gozo do êxtase e da felicidade implicam um trabalho constante que, através da medicina, das ciências da saúde, da indústria farmacêutica, da psicologia, acabou por estabelecer um consenso de superação da dor, por recursos os mais variados.

Cicatrizar as frustrações inevitáveis que marcam os limites de nosso corpo e de nossa mente, anestesiar as reações aos estímulos que a natureza impõe, feiura, deficiência intelectual e corporal, acidentes malignos, genética deficitária –enfim o rol das dificuldades do concreto, do real, do objetivo se transformou numa corrida de obstáculos que permeabiliza nosso cotidiano.

Comprimidos para enganar a tristeza, sob o diagnóstico da depressão, para frear a vitalidade, sob o diagnóstico que substitui a exuberância pela hiperatividade.
 Se espraiando por todos os ângulos, medidas, enquadramentos possíveis e imagináveis.

A obesidade, doença física ou psíquica a ser tratada e corrigida, e até problema ético de caráter (personalidade desidiosa ou fraca); a magreza, idem.

A timidez ou contenção, como sintoma introspectivo suspeito, a extroversão como proximidade da transgressão, merecendo a atenção médica e, eventualmente, policial.

Sem respeito à faixa etária ou condição social. Na infância, a desatenção na escola, distúrbio ou transtorno, a adolescência com sua agitação e insegurança, ela mesma vista como "aborrecência", um certo desajuste na probabilística certeira de moléstia contagiosa (o barulho, a efervescência, o "esquenta").
  A insônia estimulada por dificuldades autênticas, exigindo soníferos que, por sinal, segundo a revista científica BMJ Open [revista online de acesso público ligado ao British Medical Journal], triplicam o risco de morte e de o"paciente" desenvolver câncer.

Aliás, já escrevi em O Direito no Divã (Saraiva, 2011) que a nomenclatura correta deveria ser "impaciente" e o profissional apurar a sua "paciência" na inversão humanística do relacionamento.
Aldous Huxley, em As Portas da Percepção [livro de 1954, edição em português da Globo lançada em 2002], faz a apologia às drogas, lícitas ou ilícitas (segundo conflitos de entendimento legal); ele, que estava praticamente cego e buscava compensações e sublimação no fantasmático e no simbólico, acabou legitimando essa vida artificial para escamotear as quimeras que a poesia de Rimbaud, ele mesmo uma vítima do alcoolismo, genialmente definiu em metáfora belíssima:

"Mas, não, chorei demais! Magoam-me as auroras.

Todo sol é dolente e amargo todo luar".

As questões essenciais de nossa vida ligadas ao sofrimento e à dor não podem e não devem ser reduzidas ao tremendo jogo de fortunas incalculáveis da indústria da ilusão medicamentosa. Indústria que inventa doenças e inventa curas para aquilo que segundo Goethe é "humano, demasiadamente humano".

Sofrer e lidar, chorar e rir, a emoção respeitada e não fiscalizada pelo "Big Brother" do superego pronto para qualificar o normal e o anormal segundo fundamentalismos pseudocientíficos.

O que, obviamente, não significa deixar de minorar a dor no horizonte da dignidade. A alienação como instrumento de subjetividade permite que o Eu se encontre com a Dor, na esperança que nos transcende.

"As questões essenciais de nossa vida ligadas ao sofrimento e à dor não podem e não devem ser reduzidas ao tremendo jogo de fortunas incalculáveis da indústria da ilusão medicamentosa. Indústria que inventa doenças e inventa curas para aquilo que segundo Goethe é 'humano, demasiadamente humano'"

Dr. Jacob Pinheiro Goldberg é doutor em Psicologia, Psicanalista e Escritor.

É autor de Cultura da Agressividade (Landy, 2004), Mocinhos e Bandidos – Controle do Conteúdo Televisivo e Outros Temas (Lazuli/Sesc, 2005), Psicologia em Curta-Metragem (Novo Conceito, 2008), entre outros.

Fonte de Consulta: Revista "E" Sesc-SP 


"O Avarento guarda o seu Tesouro como se fosse seu; Mas teme Servir-se dele como se na Realidade pertencesse a Outrém." (Bion)

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