Quem é esse Outro que “habita” em mim?
Situações
embaraçosas, escolhas de caminhos tortuosos, pensamentos repetitivos,
sofrimentos que poderiam ser evitados...
Quem é o causador? (leia-se causa-dor).
O porquê disso
tudo? É o destino? É carma? É azar?
Porque mesmo querendo fazer diferente
algumas pessoas não conseguem?
Porque não conseguem ser senhores de
suas escolhas?
Alguns buscam a
resposta na ciência, na religião, no cosmo ou nas estrelas, etc.
Outros, inconformados e cansados de
tanto sofrer munem-se de coragem (pois é preciso ter coragem para enfrentar os
próprios fantasmas) e encaram uma análise.
Chegam um pouco desacreditados em
relação ao que vão encontrar.
Perguntam se é melhor tomarem
remédios...
Pois o problema pode ser um hormônio
enlouquecido ou uma enzima que não funciona.
Mas essa é uma tarefa difícil, pois
existe todo um percurso a percorrer, já que “é mais fácil procurar culpados” e o culpado primeiramente é sempre o
outro: o pai, a mãe, o chefe, o namorado, namorada, o gene ou uma molécula,
etc.
Um outro fala além de mim?
“Não sou dono de todas as minhas
vontades?”, perguntam-se.
Somente depois é que descobrem que
esse outro que governa seus pensamentos, seu eu e
sua vida é um outro dele mesmo, é um outro que
“habita” dentro dele á ponto de fazê-lo tomar essa ou aquela atitude.
Custam a acreditar que essa força que
é maior que sua vontade e que os impulsionam a sofrer, provém deles mesmos e
quando finalmente não conseguem mais negar, começam a se responsabilizarem pelo
que dizem e fazem.
Quando isso
acontece, surpreendem-se e até se divertem com as descobertas.
Esse outro,
responde pelo nome de Inconsciente. Inconsciente esse, que Freud descobriu nos
idos de 1889 com suas pacientes histéricas, quando escutou que o sofrimento delas
transcendia ao seu organismo e tinha uma força tão grande que era capaz de
controlar a vontade e o corpo delas.
O inconsciente é
uma instância simbólica, que é autônoma em relação ao eu do sujeito.
É algo que governa ou desgoverna a
vida do sujeito, é o que não descansa nunca, pois ele conta, reconta, calcula,
conta a dor, a morte, a vida do sujeito.
Até quando dormimos ele está de
plantão, “como um capitalista que não pára nunca”, e que produz os mais belos
sonhos e bizarros pesadelos.
Esse inconsciente, o freudiano, é o inconsciente que traz o selo das
palavras escutadas na infância, dos significantes primordiais que marcaram
o sujeito desde que ele nasceu.
Aliás, desde antes dele nascer, pois
tem relação com sua história familiar, com os costumes de sua família, pois
assim como os traços genéticos, eles também são transmitidos através das
gerações.
É verdade que desde a filosofia
falava-se de inconsciente, como contrário a consciência, na antiguidade ele foi
interpretado como uma força demoníaca vinda do além, ou algo das profundezas
das águas infernais.
Mas, o inconsciente freudiano é um
inconsciente que representa um saber insabido.
As pessoas falam diversas vezes e não
escutam verdadeiramente o que dizem, tem um desconhecimento tão grande em
relação ao que dizem que é como se fosse uma “língua estrangeira” para eles.
Realmente a surpresa que demonstram é
grande quando escutam e entendem que o que eles dizem tem relação com o que
sentem em seu corpo e seu sintoma, que suas palavras falam mais do que eles
intencionavam.
Esse é o
inconsciente do qual estamos falando.
As repetições que tantas vezes os
sujeitos incorrem e que são considerados destinos, azar ou carma (dependendo
das crenças) são efeitos e resultados de repetições inconscientes.
Muitas vezes repetições que respondem
ao que foi escutado na infância do sujeito.
Sendo o sintoma algo mais forte que o
sujeito, maior que sua vontade, algo que o incomoda, faz sofrer, e traz
prejuízos, isso o desconcerta, o desequilibra e faz dele um fantoche de seu
inconsciente.
A análise deste “terreno”
inconsciente, que traz á tona os equívocos, os tropeços de linguagem e as
armadilhas, faz com que cada um, o descortine, e saiba quais são os
significantes que marcam sua existência e que os empurra a fazer suas escolhas,
seu modo de amar e de gozar (entendam aqui gozo no sentido psicanalítico como
uma satisfação que nem sempre é prazerosa).
E quando o sujeito
consegue decifrar em análise seu sintoma, descobre a causa de seu sofrimento, o porquê de suas
repetições, das rupturas dos laços afetivos, do uso de entorpecentes, das
doenças repetitivas, etc.
No trabalho analítico, o analista
escuta algo além da intencionalidade, escuta aquilo que na palavra do sujeito o
trai, o que lhe atravessa.
“É como se as palavras pulassem de
minha boca, mas não era o que eu queria dizer”, disse um
paciente.
Ora, é exatamente o que ele queria
dizer, porém não sabia que o queria. E saber sobre isso lhe abre
uma nova perspectiva, pois ele pode fazer algo diferente agora.
Nos tempos atuais encontramos um
grande número de sujeitos que são acometidos de patologias, doenças e sintomas
que levam a uma destruição de seu corpo.
Doenças muitas
vezes que desconcertam o saber médico e quando essas mesmas pessoas estão
em análise e se questionam sobre o que sentem, falam sobre a doença que tem,
sobre seu corpo adoecido e assim, se colocam como sujeitos, não se reduzindo a
ser um corpo ou uma doença.
Questionam-se e dessa forma não
creditarão mais o que sentem ao seu cérebro e a seu funcionamento orgânico e
sim a seu pensamento, afetos e seus ditos.
Quando o sujeito se interessa em
saber o porquê de seu sofrimento, não mais se oferecerá como objeto de estudo
para outros.
Sendo o inconsciente um saber não
sabido, um saber que o sujeito têm, mas que não está acessível para ele
conscientemente, ele necessita de um Outro - o analista – que o escute e marque
em seu discurso onde ele tropeça, o que ele repete, as armadilhas e as
“sabotagens” que se faz.
Esse acesso é possível porque é
registro do inconsciente que o analista opera.
"Você pode saber o que disse, mas nunca o que outro
escutou"
Lacan
Andreneide Dantas é Psicanalista
Fonte Consultada: Clínica Escuta Analítica
Fonte Consultada: Clínica Escuta Analítica