Eu sem você
Exagero é próprio da paixão.
A paixão é efervescente, intensa e exuberante.
Na adolescência estamos muito suscetíveis a ela pelas próprias características do adolescer.
Adolescência é cenário adequado para paixão, ainda que não seja exclusiva dessa fase da vida, é nela que estamos ensaiando para a chegada do primeiro amor.
Quando adolescentes apaixonados, sempre imaginamos que o outro é tudo!
Só quando o amor surge percebemos haver uma distinção entre esses sentimentos, amor e paixão.
Vamos caminhando pela vida e encontrando paixões, amores e amores apaixonados.
Com a maturidade que vamos conquistando é que podemos perceber que há uma divisão, às vezes, tênue entre a saúde e a patologia em se tratando de paixão.
Numa vivência saudável deste sentimento, ela é imprescindível à vida. Precisamos estar apaixonados para seguir vivendo bem.
Apaixonados por alguém, por uma ideologia, por algum projeto, pela família, pelos amigos.
Apaixonados, ainda, por um filme, um livro, uma música e assim por diante.
Um bom teste para saber se estamos vivendo nossas paixões de forma saudável ou não, é questionar e responder: “este sentimento me expande ou me paralisa?”
Não estar paralisado é muito bom.
Em geral, no que se refere a relacionamentos, nos encantamos, nos apaixonamos, vivemos a taquicardia que antecede o primeiro encontro, a ansiedade pelo toque do telefone, o ensaio para dizer a coisa certa - que nem ao menos sabemos o que seja - e tantos outros sintomas de início de relacionamento.
Depois, vem a convivência.
A relação que se mantém, passa a ter menos química e mais equilíbrio.
Então, estamos prontos para avaliar se o que nos encantou era real ou apenas projeção, possivelmente, comandada por nossas carências.
Quando nos dedicamos à questão da saúde emocional, observamos um fenômeno comum que se mostra preocupante. Muitas pessoas têm depositado sobre outras, toda a responsabilidade por sua felicidade, e mais ainda, por sua própria vida.
Há pessoas que estão em constante estado de alerta para encontrar aquele ou aquela que completará sua vida, realizará seus sonhos e as farão, finalmente, felizes.
Ao primeiro sinal de reciprocidade se entregam e consideram o outro capaz de responder à altura todas as suas expectativas.
Para manter esse alguém junto a si, são capazes de tudo.
Convenhamos que em certos momentos é bom ouvir frases românticas do tipo: “Não sou capaz de viver sem você. Você é a razão da minha vida.
- Você é tudo na minha vida.
O problema é quando a frase sai de seu contexto poético e se estabelece na realidade psíquica do indivíduo.
O outro, até então desavisado, se vê sobrecarregado de uma responsabilidade que é incapaz de assumir.
Ser responsável por nossa própria vida, buscar nossa felicidade, já é bastante desafiador. Assumir esta responsabilidade por outro pode ser devastador.
Existem pessoas à nossa volta fugindo desesperadamente de estar, por qualquer tempo que seja, a sós consigo mesmas.
Sentem medo de sua própria companhia.
Precisam apegar-se, então, ao relacionamento em que estão, muito mais por medo da solidão que imaginam que irão sentir, do que pelo que a pessoa a seu lado é. Ou, ainda, manter-se na constante busca de encontrar a quem se apegar e delegar-lhe o poder de lhes fazer feliz.
Tudo pode até funcionar se o outro também sentir assim.
O relacionamento fica concentrado e as pessoas paralisadas pela tarefa de manter a qualquer preço a situação, como presos a um contrato tácito ou até explícito.
Entretanto, quando alguém entende sua existência como um fato em si mesma, quando tem consciência de suas virtudes e limitações e de sua responsabilidade individual de crescimento pessoal, aceitar ser o único motivo da vida de alguém, não demonstra ser nada atraente.
Pelo contrário, pode afastar.
O universo feminino, por uma questão histórica e cultural, é ainda bastante povoado pela fantasia de encontrar um homem que seja tudo.
Alguém criado para especialmente para fazê-la feliz.
No universo masculino, pelos mesmos motivos, ainda existe uma divisão entre a pessoa com quem se casa e tem filhos e aquela disponível aos seus prazeres e aventuras.
Nesse ambiente as pessoas são idealizadas e estão sempre procurando cumprir seu papel, aquilo que se espera de cada um. Logo, um não se enxerga sem a presença do outro que tem o papel complementar.
É como se cada um dissesse: “Eu sou eu, a partir de você. Não sei quem sou sem você.”
Se esta postura diante da vida é fortemente limitadora, pelo constante medo da perda, por outro lado há pessoas que fazem diferente e nos mostram que há uma mudança positiva em processo.
Homens e mulheres que não amam demais, apenas, amam.
Preocupam-se em ser, em aprender, em interagir, em contribuir com suas experiências. Pessoas cujo encontro gera expansão.
Pessoas que não se preocupam em sufocar o outro, mas em estimular seu crescimento e crescer junto.
A beleza do relacionamento é aquilo que ele acrescenta na vida do casal e na vida do indivíduo.
A beleza está na visão que se amplia pelas possibilidades de desenvolver projetos conjuntos e na segurança que se sente em desenvolver seus projetos pessoais. A beleza está em ter cumplicidade em aventuras.
A beleza está na criatividade que a liberdade de estar com quem se ama e ser aceito pelo que se é, faz florescer.
Quando existe amor, bom é saber que sem você, aquela pessoa que se ama vai continuar a viver, porque existem outros motivos para sua existência.
Que um eventual afastamento de ambos não os destruirá, ainda que se venha a sofrer. Que a força do que se viveu acrescentou energia suficiente para continuar caminhando, só ou em outra companhia. Bom é saber que estar juntos significa escolha e não prisão.
Edna Cassiano é Psicanalista, Escritora e Sexóloga
Membro da ABMP-DF
Visite o site: www.abmpdf.com
"O Avarento guarda o seu Tesouro como se fosse seu; Mas teme Servir-se dele como se na Realidade pertencesse a Outrém."
(Bion)
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"O Avarento guarda o seu Tesouro como se fosse seu; Mas teme Servir-se dele como se na Realidade pertencesse a Outrém." (Bion) ..