Já estou arrependido de mexer nesse assunto.
O casamento é um dos temas mais
complexos e controvertidos da existência humana, e apesar de todas
as tentativas para entendê-lo sob vários pontos de vista, ele permanece um
enorme mistério.
Existem muitas receitas para ser bem-sucedido nessa empreitada, mas por
mais interessantes que sejam, mesmo que se apliquem a alguns casais, elas nunca
são convincentes.
Imagino que isso ocorre porque as duas pessoas envolvidas, geralmente,
mas nem sempre, um homem e uma mulher, partilham suas vidas de um modo tão
único que um casal não pode nunca ser comparado com outro. É como se elas secretassem
uma substância que, misturada, adquire uma consistência ímpar, única.
Por isso, generalizações sobre o casamento têm valor limitado.
Apesar disso, a maioria das
pessoas casa e, o que é pior, muitas continuam, apesar das evidências em
contrário, considerando o casamento como o caminho certo para a felicidade.
Pois não é assim que as histórias infantis sempre terminam?
O príncipe e a princesa são felizes
para sempre?
Isso está arraigado na nossa cultura. Estou cansado de atender homens e
mulheres solteiros que ficam paralisados na vida, esperando o casamento que
lhes trará felicidade.
Ao mesmo tempo, surpreende o número de casados, alguns até bem, que
sonham em voltar a serem solteiros, nostálgicos de um tempo que passou.
Claro que existem casamentos com boa qualidade de vida das pessoas envolvidas. Aliás, tenho para mim que uma vez a pessoa crescendo e se separando de pai e mãe, o próximo relacionamento significante é o companheiro (a) estável.
Claro que existem casamentos com boa qualidade de vida das pessoas envolvidas. Aliás, tenho para mim que uma vez a pessoa crescendo e se separando de pai e mãe, o próximo relacionamento significante é o companheiro (a) estável.
Mas esse relacionamento, como tudo mais entre os humanos, é instável
mesmo e pode mudar de um momento para o outro, sem uma razão aparente para
isso.
Somos seres frágeis, incompletos e temos pouco controle sobre nossos
relacionamentos e destino. Para dizer a verdade, não sei como damos conta de ir
vivendo e enfrentando as coisas que aparecem fora de nossos controles.
Se formos pelos caminhos sofisticados da psicanálise e suas muitas variantes, podemos até imaginar as possíveis dimensões inconscientes que levam dois adultos, com histórias, biologias e famílias diferentes, escolherem morar juntos.
Se formos pelos caminhos sofisticados da psicanálise e suas muitas variantes, podemos até imaginar as possíveis dimensões inconscientes que levam dois adultos, com histórias, biologias e famílias diferentes, escolherem morar juntos.
Vocês já imaginaram a quantidade de
conflitos psicanalíticos num encontro como esse?
Mas existem outros pontos de vista: religioso, sociológico, econômico,
sexológico, para apenas citar alguns entre milhares. Isto sem falar na
motivação muito importante de procriação.
Outro dia fui num local público cheio de jovens.
Fiquei maravilhado com casais enamorados e erotizado com cenas de amor
se repetindo em minha frente. Percebi claramente como as pessoas crescem em
busca do (a) companheiro (a). Fantasiei acompanhar todos aqueles casais nas
suas trajetórias pela vida.
Quais seriam seus destinos?
Quantos iriam descarrilhar?
Quantos casamentos iriam ser satisfatórios?
Quantos seriam trágicos?
De volta para casa, passei por barzinhos lotados de jovens solteiros em
busca de parceiros (as)...
O Eros solto na noite da cidade! Sem
dúvida, estava ali, na minha frente, a explosão da adolescência e da vida
jovem. Intensa!
Quando um (a) jovem chega à idade adulta enfrenta duas tarefas: escolher
uma profissão e um (a) parceiro (a). Alguns chegam lá mais depressa, outros têm
uma adolescência mais prolongada, com maior ou menor freqüência de mudanças de
rumo.
Nesses casos passam por um período de incerteza e de experimentação nem
sempre muito agradável. Não existem regras imutáveis. Cada um tem o seu estilo,
suas necessidades, mas eu poderia afirmar que de um modo geral todos buscam as
mesmas coisas: o trabalho e o amor.
No caso da busca do amor, aparece freqüentemente um dilema.
Variar de parceiros ao mesmo tempo ou se contentar com um (a) de cada
vez. Penso, sem muita convicção, que depois dessa fase da experimentação, a
maioria acaba se contentando com um (a) só
porque descobre que a intimidade é diretamente proporcional à exclusividade.
Vocês já ouviram dizer que quem tem muitos amores, acaba não tendo
nenhum? Ou será que estou enganado?.
Com o progresso na tecnologia, o processo de busca de um companheiro
entrou no mundo da cibernética. O antigo “footing” na praça da minha juventude
se transformou em sites de relacionamentos.
Alguns são tão sofisticados, que tentam acasalar pessoas de acordo com
seus perfis. Um conhecido me ensinou que esse processo tem certa seqüência: primeiro
a conversa informal, depois, se há interesse, outros “encontros cibernéticos”.
Se o interesse continua, vêm os retratos... Se isso passar pelo teste, os
telefonemas.
Eventualmente um encontro pessoal, que eu acho deve sempre ser em lugar
público, durante o dia. E ele enfaticamente recomenda: nenhum encontro antes de
pelo menos um ano de conversa na Internet! Ele me deixou perplexo quando disse
que nenhuma das companheiras que ele encontrou pessoalmente, dentro desses
parâmetros, o surpreendeu.
Fico matutando por que algumas pessoas encontram logo o seu (sua)
parceiro (a) e outras demoram a encontrá-lo (a), prolongando uma adolescência
pela vida afora, alguns nunca chegando lá.
Será que inconscientemente elas
permanecem ligadas ao pai ou mãe, não havendo espaço para outros
ocuparem seus lugares?
Sempre achei a escolha do parceiro (a) uma coisa fascinante.
Vocês já pensaram como isso é delicado e depende tanto da sorte? Imagino
que num determinado momento, se olhamos para uma pessoa no mundo no meio de
milhões, deve existir um número muito grande de gente que seriam ótimos
parceiros para ela. Eu não sou dos que acreditam que cada pessoa só tem uma
escolha de homem ou de mulher em sua vida.
Vem agora a pergunta: o que mantém as pessoas casadas? Será que é o
sexo?
Nas gerações passadas dos meus pais e avós, talvez isso fosse o caso. O
cenário social era completamente diferente de hoje.
Especialmente para as mulheres, a sexualidade estava completamente
dependente do casamento. Para os homens isso era diferente, eles só podiam
manifestar a sua sexualidade com prostitutas.
Isso tinha suas conseqüências: para as mulheres a severa repressão
sexual e para os homens uma divisão mental entre as mulheres boas e as mulheres
más (sexuais), ambas difíceis de serem corrigidas.
Hoje os costumes são outros.
Para as mulheres já não é necessário casar para a realização da
sexualidade. E para os homens a atividade sexual mais facilmente se integra com
o amor.
Hoje os jovens se expressam sexualmente com amor sem maiores
dificuldades. Assim, duvido que alguém
queira se casar para poder expressar a sua sexualidade.
Portanto, as razões para que duas pessoas queiram ficar juntas num
contrato social devem passar por outros caminhos. E esses caminhos são
infindáveis, cada caso é um caso.
Existem casamentos que funcionam bem
mesmo quando na área sexual deixam a desejar, especialmente os casais mais
velhos. Ter um aliado (a) na vida continua sendo uma grande motivação!
O casamento exige um equilíbrio em
meio a mudanças constantes.
As pessoas se escolhem porque estão num nível semelhante de
desenvolvimento, às vezes ainda bem imaturas. Depois, elas crescem
emocionalmente e envelhecem com velocidades diferentes. Um pode começar a
crescer, seja espontaneamente, seja através de ajuda profissional, mais
depressa do que o outro, que vai então ficando para trás. Com isso o
relacionamento vai deteriorando.
É por isso que, geralmente, se um
parceiro começa a fazer uma terapia quase sempre fica claro que o outro deveria
seguir o mesmo caminho. Às vezes isso implica também numa terapia do casal.
Numa terapia de casal, os parceiros
podem crescer juntos, mas o processo é sempre mais lento e difícil e os
resultados nunca são imediatos.
E preciso haver muito interesse e boa vontade de ambas as partes para
que ela progrida, progressão essa que não é linear. Ela vai com três passos à
frente e dois para trás.
Não é possível abordar um casamento
de uma maneira teórica e abstrata.
Isso porque o relacionamento é muito peculiar e único e tem a ver
somente com as duas pessoas envolvidas.
A esperança é que o terapeuta de
casal não tenha a necessidade de colocar o casal dentro de uma grade teórica
pré-estabelecida.
Não é por falta de tentar que alguns
casamentos desequilibram.
Ninguém gosta de separar. Isso é
sempre doloroso, para não falar nas sensações de culpa e fracasso.
Mas, quando o relacionamento marital fica deteriorado além de certo
ponto, a separação, se possível consensual, passa a ser o melhor remédio.
Mas isso, já é outro tema...
Dr. Marcio V. Pinheiro é Psiquiatra e Psicanalista
Universidade de Maryland, USA Psicanálise American Academy of
Psychoanalysis
Circulo Psicanalítico de Minas Gerais.