domingo, 23 de setembro de 2012

Crise No Casamento



Já estou arrependido de mexer nesse assunto.
O casamento é um dos temas mais complexos e controvertidos da existência humana, e apesar de todas as tentativas para entendê-lo sob vários pontos de vista, ele permanece um enorme mistério.
Existem muitas receitas para ser bem-sucedido nessa empreitada, mas por mais interessantes que sejam, mesmo que se apliquem a alguns casais, elas nunca são convincentes.
Imagino que isso ocorre porque as duas pessoas envolvidas, geralmente, mas nem sempre, um homem e uma mulher, partilham suas vidas de um modo tão único que um casal não pode nunca ser comparado com outro. É como se elas secretassem uma substância que, misturada, adquire uma consistência ímpar, única.

Por isso, generalizações sobre o casamento têm valor limitado.
 Apesar disso, a maioria das pessoas casa e, o que é pior, muitas continuam, apesar das evidências em contrário, considerando o casamento como o caminho certo para a felicidade.
Pois não é assim que as histórias infantis sempre terminam?
O príncipe e a princesa são felizes para sempre?
Isso está arraigado na nossa cultura. Estou cansado de atender homens e mulheres solteiros que ficam paralisados na vida, esperando o casamento que lhes trará felicidade.
Ao mesmo tempo, surpreende o número de casados, alguns até bem, que sonham em voltar a serem solteiros, nostálgicos de um tempo que passou.

Claro que existem casamentos com boa qualidade de vida das pessoas envolvidas. Aliás, tenho para mim que uma vez a pessoa crescendo e se separando de pai e mãe, o próximo relacionamento significante é o companheiro (a) estável.
Mas esse relacionamento, como tudo mais entre os humanos, é instável mesmo e pode mudar de um momento para o outro, sem uma razão aparente para isso.
Somos seres frágeis, incompletos e temos pouco controle sobre nossos relacionamentos e destino. Para dizer a verdade, não sei como damos conta de ir vivendo e enfrentando as coisas que aparecem fora de nossos controles.

Se formos pelos caminhos sofisticados da psicanálise e suas muitas variantes, podemos até imaginar as possíveis dimensões inconscientes que levam dois adultos, com histórias, biologias e famílias diferentes, escolherem morar juntos.
Vocês já imaginaram a quantidade de conflitos psicanalíticos num encontro como esse?
Mas existem outros pontos de vista: religioso, sociológico, econômico, sexológico, para apenas citar alguns entre milhares. Isto sem falar na motivação muito importante de procriação.
Outro dia fui num local público cheio de jovens.
Fiquei maravilhado com casais enamorados e erotizado com cenas de amor se repetindo em minha frente. Percebi claramente como as pessoas crescem em busca do (a) companheiro (a). Fantasiei acompanhar todos aqueles casais nas suas trajetórias pela vida.
Quais seriam seus destinos?
Quantos iriam descarrilhar?
Quantos casamentos iriam ser satisfatórios?
Quantos seriam trágicos?
De volta para casa, passei por barzinhos lotados de jovens solteiros em busca de parceiros (as)...
O Eros solto na noite da cidade! Sem dúvida, estava ali, na minha frente, a explosão da adolescência e da vida jovem. Intensa!
Quando um (a) jovem chega à idade adulta enfrenta duas tarefas: escolher uma profissão e um (a) parceiro (a). Alguns chegam lá mais depressa, outros têm uma adolescência mais prolongada, com maior ou menor freqüência de mudanças de rumo.
Nesses casos passam por um período de incerteza e de experimentação nem sempre muito agradável. Não existem regras imutáveis. Cada um tem o seu estilo, suas necessidades, mas eu poderia afirmar que de um modo geral todos buscam as mesmas coisas: o trabalho e o amor.
No caso da busca do amor, aparece freqüentemente um dilema.
Variar de parceiros ao mesmo tempo ou se contentar com um (a) de cada vez. Penso, sem muita convicção, que depois dessa fase da experimentação, a maioria acaba se contentando com um (a) só porque descobre que a intimidade é diretamente proporcional à exclusividade.
Vocês já ouviram dizer que quem tem muitos amores, acaba não tendo nenhum? Ou será que estou enganado?.
Com o progresso na tecnologia, o processo de busca de um companheiro entrou no mundo da cibernética. O antigo “footing” na praça da minha juventude se transformou em sites de relacionamentos.
Alguns são tão sofisticados, que tentam acasalar pessoas de acordo com seus perfis. Um conhecido me ensinou que esse processo tem certa seqüência: primeiro a conversa informal, depois, se há interesse, outros “encontros cibernéticos”. Se o interesse continua, vêm os retratos... Se isso passar pelo teste, os telefonemas.
Eventualmente um encontro pessoal, que eu acho deve sempre ser em lugar público, durante o dia. E ele enfaticamente recomenda: nenhum encontro antes de pelo menos um ano de conversa na Internet! Ele me deixou perplexo quando disse que nenhuma das companheiras que ele encontrou pessoalmente, dentro desses parâmetros, o surpreendeu. 
Fico matutando por que algumas pessoas encontram logo o seu (sua) parceiro (a) e outras demoram a encontrá-lo (a), prolongando uma adolescência pela vida afora, alguns nunca chegando lá.
Será que inconscientemente elas permanecem ligadas ao pai ou mãe, não havendo espaço para outros ocuparem seus lugares?
Sempre achei a escolha do parceiro (a) uma coisa fascinante.
Vocês já pensaram como isso é delicado e depende tanto da sorte? Imagino que num determinado momento, se olhamos para uma pessoa no mundo no meio de milhões, deve existir um número muito grande de gente que seriam ótimos parceiros para ela. Eu não sou dos que acreditam que cada pessoa só tem uma escolha de homem ou de mulher em sua vida. 
Vem agora a pergunta: o que mantém as pessoas casadas? Será que é o sexo?
Nas gerações passadas dos meus pais e avós, talvez isso fosse o caso. O cenário social era completamente diferente de hoje.
Especialmente para as mulheres, a sexualidade estava completamente dependente do casamento. Para os homens isso era diferente, eles só podiam manifestar a sua sexualidade com prostitutas.
Isso tinha suas conseqüências: para as mulheres a severa repressão sexual e para os homens uma divisão mental entre as mulheres boas e as mulheres más (sexuais), ambas difíceis de serem corrigidas. 
Hoje os costumes são outros.
Para as mulheres já não é necessário casar para a realização da sexualidade. E para os homens a atividade sexual mais facilmente se integra com o amor.
Hoje os jovens se expressam sexualmente com amor sem maiores dificuldades. Assim, duvido que alguém queira se casar para poder expressar a sua sexualidade.
Portanto, as razões para que duas pessoas queiram ficar juntas num contrato social devem passar por outros caminhos. E esses caminhos são infindáveis, cada caso é um caso.
Existem casamentos que funcionam bem mesmo quando na área sexual deixam a desejar, especialmente os casais mais velhos. Ter um aliado (a) na vida continua sendo uma grande motivação!
O casamento exige um equilíbrio em meio a mudanças constantes.
As pessoas se escolhem porque estão num nível semelhante de desenvolvimento, às vezes ainda bem imaturas. Depois, elas crescem emocionalmente e envelhecem com velocidades diferentes. Um pode começar a crescer, seja espontaneamente, seja através de ajuda profissional, mais depressa do que o outro, que vai então ficando para trás. Com isso o relacionamento vai deteriorando.
É por isso que, geralmente, se um parceiro começa a fazer uma terapia quase sempre fica claro que o outro deveria seguir o mesmo caminho. Às vezes isso implica também numa terapia do casal.
Numa terapia de casal, os parceiros podem crescer juntos, mas o processo é sempre mais lento e difícil e os resultados nunca são imediatos.
E preciso haver muito interesse e boa vontade de ambas as partes para que ela progrida, progressão essa que não é linear. Ela vai com três passos à frente e dois para trás.
Não é possível abordar um casamento de uma maneira teórica e abstrata.
Isso porque o relacionamento é muito peculiar e único e tem a ver somente com as duas pessoas envolvidas.
A esperança é que o terapeuta de casal não tenha a necessidade de colocar o casal dentro de uma grade teórica pré-estabelecida.
Não é por falta de tentar que alguns casamentos desequilibram.
Ninguém gosta de separar. Isso é sempre doloroso, para não falar nas sensações de culpa e fracasso.
Mas, quando o relacionamento marital fica deteriorado além de certo ponto, a separação, se possível consensual, passa a ser o melhor remédio.
Mas isso, já é outro tema...
Dr. Marcio V. Pinheiro é Psiquiatra e Psicanalista
Universidade de Maryland, USA Psicanálise American Academy of Psychoanalysis
Circulo Psicanalítico de Minas Gerais. 

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