quinta-feira, 15 de fevereiro de 2018

O MEDO DA FELICIDADE...

O Medo da Felicidade
Venho tratando desse tema desde o final dos anos 1970 e ele surgiu em minha mente de uma forma estranha e surpreendente: de repente percebi que as pessoas, ao se apaixonarem, passavam a viver em estado de alarme, muitas vezes em pânico, como se algo de terrível estivesse para lhes acontecer.
Dormiam mal, perdiam o apetite, viviam obcecadas, pensando compulsivamente no que estava lhes acontecendo, querendo saber o tempo todo do amado e se ele ainda estava lá pronto para dar continuidade ao relacionamento.

Isso, em princípio, não fazia o menor sentido, pois afinal de contas se apaixonar era o anseio máximo daquelas pessoas que, depois, por motivos duvidosos, acabavam por se afastar de seus amados como que para se livrar desse estado de espírito próprio de quem vive num campo de batalha e pode ser alcançado por uma bomba a qualquer momento.
Percebi depois que a sensação de iminência de tragédia também se manifesta quando uma pessoa obtém um resultado excepcional em seu trabalho, em suas atividades esportivas, em seus ganhos financeiros… Ou seja, sempre que acontece alguma coisa muito boa, as pessoas passam a se sentir ameaçadas, como se elas aumentassem as chances do acontecimento de alguma desgraça.
Bem mais tarde constatei que esse mesmo tipo de sensação está na raiz de todo ritual supersticioso, presente em quase todos nós e tão antigo quanto as mais antigas civilizações: quando questionadas acerca de como estão indo as coisas, respondem que estão indo bem e imediatamente batem na madeira, como que se protegendo contra a inveja dos humanos e a ira dos deuses.
O medo da inveja, do “olho gordo”, estava presente no Egito antigo, em que as mulheres estéreis eram proibidas de olhar o ventre das que estavam grávidas, porque isso seria nocivo ao feto.
O medo da felicidade tem uma correlação direta com nossas tendências destrutivas: ao nos depararmos com a aflição que o sucesso provoca, tendemos a estragar uma parte do que conquistamos com a finalidade de preservar o principal: tendemos a raspar o paralama do carro novo para, com isso, diminuir a felicidade por ter podido adquiri-lo!
Muitos dos que tomam uma porção de pinga num bar despejam uma pequena parte – “para o santo” – e isso parece ser uma espécie de pagamento feito à divindade para que possam se deliciar com aquele prazer e bem-estar.
Freud, para tentar explicar nossas tendências agressivas e autodestrutivas acabou por formular a hipótese de que existe em nós uma “pulsão de morte”, um impulso permanente e definitivo que opera contra nós.
Penso que os mecanismos que sabotam nosso bem-estar são indiscutíveis, mas não concordo com a ideia de que possuímos uma força que nos impulsiona na direção da morte.
Tenho pensado cada vez mais no nascimento como um evento marcante e extremamente traumático, seguindo os passos de um psicanalista, discípulo e depois dissidente de Freud, que foi O. Rank.
Para ele, o nascer é uma transição para pior, a “expulsão do paraíso” que correspondia à simbiose materno-fetal.
A ruptura dramática dessa condição de harmonia é vivenciada como um estado de pânico, manifesto claramente no rosto do que acaba de nascer. Assim, nosso primeiro registro cerebral é o da harmonia e o seguinte corresponde à dor da ruptura e o surgimento da sensação de desamparo que, de alguma forma, irá nos acompanhar por toda a vida.
Prefiro atribuir a essa vivência traumática, que se fixa em nossa mente de forma definitiva, a existência de tendências sabotadoras de nosso bem-estar e que nos acompanham por toda a vida.
Penso na formação de uma espécie de reflexo condicionado, de modo que, ao nos aproximarmos de um estado de harmonia e bem-estar semelhante ao que experimentamos no útero – e nada é mais parecido com isso do que o aconchego que acompanha um encontro amoroso de qualidade – imediatamente nos sentimos ameaçados, como se outra vez uma hecatombe viesse a nos atormentar; agora pensamos que a harmonia irá nos trazer a morte, destruindo nossa recém conquistada felicidade.
Associamos a paz uterina à sua destruição, de modo que tememos o estar bem por temermos suas consequências nefastas.
A lógica dos processos psíquicos é peculiar, de modo que deve ser procurada de uma forma própria.
Se perguntarmos às pessoas que nunca se viram numa situação de grande felicidade se elas sentiriam medo, é claro que a maioria delas responderia negativamente.
Porém, a verdade é que esse medo é universal e nunca conheci alguém que não o tivesse em alguma dose.
Aprender a conviver com ele e a não fugir das situações em que ele aparece corresponde a um ato de coragem adequado.
Afinal de contas, apesar da aparência, felicidade não mata!
Dr. Flavio Gikovate   (In-Memoriam)
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A PSICANÁLISE MODERNA E PÓS MODERNA

A PSICANÁLISE PÓS-MODERNA

A neurobiologia como o novo materialismo.

A insistência de termos como novo , atual, moderno, aplicados como adjetivo ao termo sujeito, apontam ao momento que se vive não só na psicanálise, mas em quase todas as atividades ligadas ao homem.
O momento atual, no que se refere à psicanálise , aparece determinado pelo questionamento que as neurociências produzem nos fundamentos da psicanálise, pois a neurobiologia ao negar a existência de um sujeito desejante, e ao considerar as condutas humanas unicamente como fruto da atividade neuronal condicionada pela ação dos neurotransmissores, radicaliza a elisão do sujeito feita pela ciência moderna, produzindo com isso uma alteração na responsabilidade que seria atribuída a um sujeito pelos seus atos.
Uma conseqüência clinica e ética desta face da modernidade se impõe através do uso de fármacos na terapêutica psíquica como único meio de transformação.
Esta proposta denuncia praticas nas quais o entendimento da conduta humana é visto como efeito de um cérebro sem sujeito.
Coloca-se no lugar do sujeito desejante uma mind, cuja única verdade está nas entranhas dos neurônios.
Lacan desde os anos 60, no texto Ciência e verdade, apontava o nada querer saber da ciência frente à verdade como causa do sujeito.
Seria como efeito desta forclusão da verdade como causa do sujeito , como diz Lacan que a ciência faz, que a neurobiologia aboliu o sujeito desejante ?
A posição de Lacan sempre foi clara, tendo afirmado, no texto Ciência e Verdade: "...somos sempre responsáveis da nossa posição de sujeito.
 Que isto se chame, onde quiserem terrorismo".
 O lugar do sujeito moderno na psicanálise
Propondo-se articular a psicanálise com a modernidade se poderia falar numa relação do sujeito com a historia? Lacan ainda em Ciência e verdade , posicionado-se sobre esta questão, utilizou a expressão "um certo momento do sujeito" como também ainda referindo-se ao sujeito, falou de "um momento historicamente definido", e ainda, em relação ao sujeito, se refere a "um momento historicamente inaugural".
A razão desta possibilidade de se temporalizar o sujeito, está na afirmação de Lacan de que o sujeito está definido em relação ao saber.
Como o saber muda , o sujeito também muda, causando o surgimento de um sujeito novo em função da nova relação deste com o saber.
Para Lacan o sujeito novo atualmente, seria o sujeito da ciência em tanto fundamento da modernidade do sujeito.
Levando-se em consideração a articulação existente entre sujeito e historia, para alguns autores o sujeito pós-moderno seria caracterizado por não ser mais um sujeito que tenha um saber compartido socialmente, o sujeito pós-moderno seria um sujeito sem paradigmas de consenso, seria o sujeito decorrente da mudança dos costumes sexuais, das mudanças ideológicas, seria o sujeito que sofre da ausência de ideais preestabelecidos.
Seria este sujeito pós-moderno conseqüência do novo materialismo introduzido pela neurobiologia atual, e que se caracteriza pela ausência de um sujeito desejante, ou seria este sujeito pós-moderno a conseqüência do "declínio" da Função Paterna, como apontou Lacan?
Qual a diferença de um sujeito moderno e o pós-moderno?
Para Lacan o aparecimento de um sujeito que se poderia chamar de moderno, está historicamente localizado a partir da publicação das Meditações metafísicas de Descartes , que com a operação do Cogito teria produzido este sujeito novo.
Situar o sujeito moderno como decorrente da operação Cartesiana, é centraliza-lo em relação à uma razão objetiva. Este sujeito "reflexivo", seria moderno por diferir de um anterior cuja característica seria a de ser centro do conhecimento.
Para Lacan o sujeito cartesiano é pressuposto da noção de inconsciente, pois a psicanálise, tal qual Descartes, parte do fundamento do sujeito da certeza, ou seja o sujeito pode ter certeza de si desde que se possa destacar no seu discurso duvidas que aparecem como reveladoras de um sujeito dividido.
O lugar do "eu penso" é para Freud independente do "Eu sou".
A questão da "modernidade" porem só se transformou em questão recentemente. Segundo Foucault , foi Kant quem inaugurou uma nova forma de pensar ao se perguntar sobre a "atualidade", fazendo do tempo presente um acontecimento a ser formalizado., e com isso introduzindo na filosofia a probematização da atualidade, instante onde Kant buscava os signos do progresso.
Passando por Hegel, a questão do "moderno" se cristalizou com Max Weber e Habermas que foram os primeiros a usar a palavra modernização como terminus associando-a à formação de capital, ao estabelecimento de poderes políticos centralizados, mas também propondo a modernidade como algo que se auto-consome, por ser ela uma intercessão entre tempo e eternidade.
Também as referencias de Lacan à ciência moderna, ao pensamento moderno, à era moderna, mostram sua preocupação com a relação do sujeito com o momento histórico no qual ele esta inserido.
No seminário III, sobre as psicoses, Lacan sugere que um dos temas que caracteriza o pensamento moderno é a idéia de um personagem vivendo só em uma ilha deserta, e menciona a Robinson Crusoe.
Lacan retoma esta referencia no seminário de Um Outro a um outro para sugerir que esta idéia representa o começo da era moderna, pois seria fundamental para o homem moderno poder afirmar sua independência, e sua autonomia em relação a todo amo e a todo Deus.
Lacan faz referencia ao homem moderno relacionado-o ao discurso da liberdade, da mesma maneira que faz referencia à uma arte moderna, e à ciência moderna , que segundo ele se caracterizaria pela eliminação do simbolismo religioso dos céus, o que possibilitou estabelecer os fundamentos da física atual.
Para Lacan a ciência moderna foi um acontecimento que decorreu como efeito do monoteísmo, fato que teria instaurado um mundo ordenado ao redor de um centro, abrindo com isto uma concepção unitária do Universo.
Ainda dentro desta perspectiva a ciência teria sido possibilitada pelo mito bíblico da criação ex-niilo, o que teria posto em funcionamento a potência creacionista do significante, outra condição das ciência .
Assim também a resposta dada a Moisés pelo anjo de Iavé que apareceu na sarça ardente, Sou o que sou, é o que faz com que Deus apareça como subjetividade absoluta , e eqüivaleu a um tu não saberás da minha verdade, fazendo a fronteira entre saber e verdade .
 O sujeito pós-moderno
Para Lacan foi Descartes quem através de seu cogito fundou o sujeito moderno. Caberia então a pergunta: há um sujeito que seja atual, e que fosse produzido por um saber novo compartido nos dias de hoje?
Um ultimo destino do sujeito surgiu atualmente no campo do saber e é sua desconstrução, o que funda um novo momento na filosofia, a que se chamou de "pós-estruturalismo" e que apresenta a morte do sujeito.
A possibilidade da inexistência de sujeito, teria inaugurado segundo alguns autores o que se pode chamar de subjetividade pós-moderna.
 Ainda para estes autores o sujeito pós-moderno não seria analisável, e este fato responderia pelo que eles chamam de "Declínio da psicanálise".
Questão que, levando-se em conta que existe uma articulação entre sujeito e historia, permite perguntar: como situar a responsabilidade deste novo sujeito no mundo moderno? Em que a psicanálise pode contribuir para modificar as formas contemporâneas do mal estar na cultura?
A questão que se coloca para os psicanalistas preocupados com a atualidade, seria então, como fazer um mundo novo, se todo discurso, todo laço social é semblante?
Como modificar a irresponsabilidade caracterizada pela ausência de sujeito na proposta da modernidade, exemplificada pela neurobiologia e restituir o lugar do sujeito, tal como aponta a psicanálise, sem cair nos ideais?
O analista entenderá sua época a partir dos novos semblantes que servem para distribuir o gozo, sendo a tendência para o gozo a direção da subjetividade moderna.
Poderíamos ate mesmo pensar que a contribuição da psicanálise à modernidade seria a invenção de um novo Cogito, que se poderia chamar de lacaniano , Cogito este definido como a conseqüência do inconsciente frente ao "penso logo sou" que produz "ou eu não penso ou eu não sou ", introduzindo ai um ser do gozo .
Para responder a estes desafios, o analista, ele mesmo também um produto da modernidade, deve avançar, assim como o inconsciente avança.
Enquanto os analistas se anestesiam entre si com suas querelas internas, a psicanálise passou a ser a bola da vez para os intelectuais que se dedicam a critica das produções cientificas.
Exemplo disso é a recente versão para o português do livro editado pelo The New York review of books, de autoria de Frederick Crews, The memory wars: Freud’s legacy in disputee e também Imposturas intelectuais de Sokal e Bricmann. Há também, ainda sem versão em português o livro de Richard Webster, Why Freud was wrong, além dos antigos A psicanálise essa impostura de Pierre Debray-Ritzen, e A decadência do Império Freudiano de Eysenk .
Todos eles tem em comum a tentativa de produzir um confronto da psicanálise com os modelos atuais da ciência.
Ciência que na área da conduta humana está dominada pelas ciências cognitivas, que via filosofia da mente se sustenta na neurobiologia. Neurobiologia que transcendendo suas funções passou a ser o parâmetro de um novo materialismo, pretendendo, desde sua perspectiva, abordar o sujeito, mesmo que negando-o.
Esta situação, embora definida dentro novos parâmetros, não é nova para a psicanálise, sendo mesmo sua rotina prevista por Freud em As perspectivas futuras da terapêutica psicanalitica ,onde diz que as criticas à psicanálise apenas comprovariam sua veracidade. No entanto a verdade contida no recalcado é diferente conforme o momento da cultura a que se refere. E é na interpretação da expressão atual do recalcado a que estamos convocados.
As respostas a esta questão não pode ser indiferentes ao psicanalista.
Dr. Marcio Peter de Souza Leite
·         Médico, psiquiatra
·         Psicanalista
·         Diretor-Geral da Escola Brasileira de Psicanálise-SP
·         Autor Psicanálise Lacaniana, Ed. Iluminuras, 1999
Bibliografia
Lacan, J., Escritos. J. Zahar Editor, R.J., 1998
Touraine, A Critica da modernidade. Ed. Vozes, R.J. , 1994
Carlisky,N. e al. Vivir sin proyecto, Ed. Lumen, Bs.As., 1998
Rojas,M. e al. Entre dos siglos, uma lectura psicoanalitica de la posmodernidad, Lugar editorial, Bs. As., 1997
Fonseca, M Michel Foucauld e a constituição do sujeito, EDUC, S.P., 1995.
Milner, J.C. Jacques Lacan pensamento e saber, in Lacan você conhece?, Cultura ed. Associados, S.P. 1992.
Lyotard, J F., O pós-moderno explicado às crianças, publicações Dom Quixote, Lisboa, 1993.


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