A Psicanálise liberta as crianças daquilo que
elas ouvem
Quando atendemos crianças em psicanálise podemos libertá-las
através das palavras daquilo que elas ouviram e ouvem dos seus pais e
familiares, como bem nos lembrou, Françoise Dolto, psicanalista francesa.
Palavras que podem ter sido enunciadas em momentos de raiva,
sofrimento ou quando suas mães não “sabiam” que aquilo que elas diziam,
afetariam negativamente seus filhos.
Pois á maioria das vezes as pessoas dizem brincando algo que faz muito mal.
Lembro-me de uma mãe que chamava seu filho de “porcaria” e acreditava
que era algo carinhoso, uma outra quando queria fazer um carinho no filho
dava “palmadinhas” nele, “de forma leve para não doer”, ela dizia.
Na verdade tanto em um exemplo quanto no outro, os filhos foram
marcados em seu corpo por esses atos e os repetiam na vida adulta, e isso os
atrapalhavam.
Pois acreditar que se é uma porcaria ou que palmadas são
carinhos, não pode trazer nenhum benefício.
Na análise com crianças temos a possibilidade de desfazer esses
equívocos enquanto eles estão acontecendo, diferente da análise com adultos
onde alguns ditos na infância já tiveram um longo tempo de fertilização e
consequências negativas.
Com crianças, o jogo, o desenho, a
encenação tem lugar.
Ela fala, joga, desenha. À vezes faz um, ás vezes faz os dois:
joga e fala ou desenha e fala, ou até encena em silêncio.
Os pais se surpreendem, pois não entendem como que seus filhos
tão pequenos têm o que dizer, e acreditem: eles falam.
Contam sobre o que lhes acontecem, falam sobre os desejos que
têm, sobre as angústias que sentem, sobre seus medos, seus sonhos com bruxas e
monstros, sobre o que seus pais disseram e fizeram, etc. (esses sonhos
representam angústia de castração).
Através dos desenhos eles representam o que está em seu
psíquico, e os convidamos a falarem sobre sua produção.
Com eles, nos
indicam como está o entendimento delas em relação ao seu meio: á sua família,
sua escola, seus amigos, irmãos e também mostram como respondem em relação ao
que o outro quer deles.
Vão mostrando através do jogo, como se posicionam em relação aos
seus semelhantes.
Ás vezes convidam-nos para que joguemos juntos, outras
vezes querem jogar sozinho, intentam burlar as regras dos jogos ou querem
deixar que o analista ganhe o jogo.
E o mais importante de tudo isso é o fato de que todos os jogos
têm suas regras, que determinam o que pode ou não ser feito, e isso nos dá a
oportunidade para mostrar para a criança que vivemos em uma sociedade que
também têm leis e que é muito importante que nós as respeitemos.
E não são raras á vezes em que nos deparamos com o fato de que
essas crianças não estão tendo em casa o
estabelecimento das regras e dos limites, pois seus pais
acreditam que não o podem!
E acreditam nisso por não se autorizarem a ocupar o lugar
de autoridade.
Com o jogo mostramos também que não é
possível ganhar sempre, que na vida temos perdas e ganhos.
Com a encenação de uma brincadeira a criança coloca em
cena um real que
muitas vezes é ameaçador ou que trouxe sofrimento, ou algo que viveu e que foi
angustiante e que finalmente conseguem colocar em palavras.
Colocam no simbólico algo que foi vivido e sentido no real de
seu corpo. Pois a criança geralmente entende os desejos da mãe como uma ordem
que ela têm que cumprir.
Outras vezes escutam algo que não entendem direito e tomam como
se fosse algo verdadeiro e passam a agir de acordo com aquilo que elas acham
que seus pais querem para elas.
E como elas dependem dos adultos tanto para que eles a ajudem a
realizar as necessidades quanto os desejos, não resta outra alternativa para
elas.
Portanto, em análise as crianças podem falar e mostrar o que
elas entenderam em relação aos desejos de seus pais e através das encenações,
dos desenhos e dos jogos, podem elaborar sentimentos que não lhes fizeram bem.
Aprendem na experiência analítica, que elas podem dizer “tudo” o
que se passa em sua cabeça, que sentem em seu coração e em seu corpo, para que
assim possam se livrar de sofrimentos que as impedem de avançar psíquica
e fisicamente.
Mas, não podem fazer tudo o que elas querem, e que isso é uma
condição para todo ser humano.
Andreneide
Dantas
Psicanalista