O VAZIO
SENTIMENTAL DO NEONARCISISMO
A personalidade começa quando a
comparação acaba.”
(Karl Lagerfeld)
O
presente artigo tem por objetivo discorrer sobre o vazio sentimental do neonarcisismo. Ou seja, o sujeito da era
contemporânea.
Vivemos um tempo, onde as pessoas vivem sob um narcisismo compulsivo – , porque, as pessoas não são consumidas somente pela massa que nos oferta tudo desde: roupas, sapatos, bolsas, jóias, aparelhos eletrônicos, e, assim, sucessivamente; mas de um consumo da sua própria identidade – de um Eu sádico.
Percebesse que pessoas atuam o tempo todo.
Por
isso, o desejo é sempre o desejo do desejo do outro, que transmuta para o
vazio.
O
Narciso, ou a estratégia do vazio, aprofunda a descrição do processo de
personificação, a partir da figura de Narciso.
Não
propriamente o Narciso freudiano, estamos vivendo um neonarcisismo, de
exaltação do eu e da resignação da vida social.
Extravia-se,
o caráter progressista e a ideia de compartilhar ideais. Certamente, o
individualismo está envolto pelo véu do coletivismo, onde atuam poderosamente
as redes sociais.
A
sedução de desejar o outro, não se trata de uma superestrutura, de uma
ideologia, mas sim, de um espetáculo, que desencadeia em metamorfoses.
Todavia,
o real tem representação desleal.
A
sedução não trabalha em função do mistério, mas funciona em função da
informação, do feedback, como se fosse um strip-tease integral e difuso.
O neonarcisismo leva ao vazio
sentimental: “se pelo menos o sujeito contemporâneo pudesse sentir alguma coisa
(…)”.
“As
perturbações narcisistas do caráter não são mais fixas e de sintomas
neuróticos”. O grande barato hoje está certamente em não demonstrar sentimentos
reais. Fuga de qualquer vestígio sentimental.
O narcisismo pós-moderno traz o
desafeto social.
Parece-nos
possível viver sem ideais, sem objetivos vitais – viver o presente e centra-se
em si mesmo.
O
sujeito vive de acordo com Lasch: uma “perda do sentido da continuidade
histórica”.
O
sujeito consome a si mesmo e/ou a própria existência, onde a atitude calorosa é
substituída pela atitude fria.
Desse
modo, ocorre uma valorização do narcisismo, que vai ser chamado por Lipovetsky
de neonarcisismo. (…)
Estamos
longe da estética monadológica, o neonarcisismo é psicologia popular.
As
relações são líquidas, precárias, passageiras, onde o neonarcisista não suporta
por muito tempo uma forma de viver em coerência com o outro.
Mas, se
porventura, sentir e/ou pensar que o outro está sendo mais importante do que a
si mesmo, logo, encontra-se uma maneira de se desfazer dessa relação, pois, o
que conta é a sedução – caso o novo narciso se sentir ameaçado, ele se desfaz
de forma indiferente daquele que fora tão instigante outrora para o seu jogo
sedutor.
Portanto,
o fenômeno não se trata de um niilismo “passivo”, é o niilismo da indiferença.
Deparamo-nos com sujeitos frios / intocáveis.
Desse
modo, podemos pensar que esteticamente os neonarcisistas precisam manter
distância do mundo exterior, ou seja, viver apenas pelo prazer do
espetáculo, sem finalidade e sentido, em sequências instantâneas.
Estão
todos a vista dos espetáculos intocáveis, a partir das suas telas mecânicas,
tudo pode aparecer e, frequentemente, desaparecer.
“O desejo de morte é também uma
das faces do neonarcisismo, da desestruturação do Eu.
O indivíduo pós-moderno tenta se matar sem
querer morrer.”
A
solidão se tornou uma realidade.
Após o abandono social dos valores e das
instituições, é a relação com o Outro que, segundo o mesmo método, rende-se ao
peso no processo de desafeição.
O
capitalismo foi espedaçado pelo contemporâneo, ocorreu um rompimento.
O
primeiro a observar isso foi Baudelaire: “o belo é inseparável da modernidade
do contingente. Surge o ódio da
tradição e obsessão pela renovação total.”.
“A nova guerra não é apenas
mais sanguinária e mais destrutiva do que qualquer outra guerra de outras eras,
devido à perfeição enormemente aumentada das armas de ataque e defesa; é, pelo
menos, tão cruel, tão encarniçada, tão implacável quanto qualquer outra que a
tenha precedido.” (Freud, 1915/1976: 280).
O narciso da modernidade
alimenta uma ilusão, ele acredita que entende a realidade dos fatos da
sociedade contemporânea.
No
entanto, não é difícil entender essa modernidade liquida do neonarciso: somos filhos de uma cultura na
qual o indivíduo capitalista vale mais que a comunidade e suas regras.
E com isso ele consome para não ser
consumido.
A
realidade contemporânea é sádica e consumidora para se manter no exercício da
pulsão de vida, quando na verdade, há no interior desses sujeitos uma imbatível
pulsão de morte.
No
consumo das necessidades afetivas e narcisistas, a busca é pela satisfação dos
desejos desse sujeito contemporâneo – lotado de fantásticas fantasias!
No mundo contemporâneo, a compulsividade
incessante, segue o modelo dos vícios da compulsão a repetição.
O
sujeito busca a satisfação de suas peculiares fantasias, que, nada mais é, do
que uma sensação passageira.
Por
isso, existe a necessidade de retroalimentação imediata, porque, se depara
novamente com o vazio e para manter-se em algum lugar, seu vício necessita da repetição.
E,
isto, só faz com que se aumente a velocidade de produzir novos cenários para
atuação do sujeito esperando tirar dessa condição algo como uma realização.
Concluímos,
com essa linha de pensamento, que não existe realização, pois realização é o grand finale, que só será atingido no
gozo final, com a morte.
Luziane Del Carro Soprane
Psicanalista – ES
Fonte consultada:
http://luzzianesoprani.com.br/site/a-psicanalista/
Referências:
– LIPOVETSKY, Gilles. A Era do
Vazio. Barueri, SP: Manole, 2005a.
– A Sociedade Pós Moralista: O
crepúsculo do Dever e a Etica Indolor
dos Novos Tempos Democráticos.
Barueri: Manole, 2005b.
– LASCH, C. A cultura do
narcisismo. Rio de Janeiro: Imago, 1983.
– FREUD, S. Além do princípio
do prazer. Edição standard brasileira das
obras completas de Sigmund
Freud. Rio de Janeiro: Imago, 1999.
– Modernidade líquida. Rio de
Janeiro: Jorge Zahar, 2001. CAMPBELL, C. A ética romântica e o espírito do
consumismo moder-no. Rio de Janeiro: Rocco, 2001.
– ARENDT, H. A condição
humana. Rio de Janeiro: Forense, 2005.