quarta-feira, 12 de maio de 2010

Despertar é Preciso

 

 

      

Nós, brasileiros, precisamos nos posicionar

frente a esse mar de corrupção que nos envolve.

Quando anulamos nossa capacidade de nos posicionarmos,

abrimos espaço para uma depressão que não tem tamanho.

Temos de expressar a nossa justa indignação diante do que nos afronta.

Roberto Freire costumava citar um poema para lembrar-me da importância de nos posicionarmos:

"Na primeira noite eles se aproximam e colhem uma flor do nosso jardim e não dizemos nada. Na segunda noite, já não se escondem; pisam as flores, matam o nosso cão, e não dizemos nada. Até que um dia o mais frágil deles entra sozinho em nossa casa, rouba-nos a lua e, conhecendo o nosso medo, arranca-nos a voz da garganta. E porque não dissemos nada, já não podemos dizer nada."
                       
(Eduardo Alves de Souza - atribuído a Maiakóvski)

Falei sobre esse assunto em uma entrevista

para a "Revista Brasília Em Dia":

Quando viajo pelo mundo, fico chocado com a passividade da população brasileira.

Porque a gente vê que, em outros países em que os cidadãos têm consciência do seu poder, as pessoas conseguem fazer que os escândalos políticos se transformem em um acontecimento mais grave.

O ponto mais importante do resgate do ego do indivíduo é a justa indignação.

Por exemplo: a esposa é espancada pelo marido, ela aceita aquilo submissamente, entende que é porque ele estava nervoso ou que ele é alcoólatra, até o dia em que ela se sente indignada.

Então ela reage e muda essa situação. É preciso se indignar, quando alguma injustiça é cometida.

O que precisa acontecer é que as pessoas de bem se manifestem para dizer o seguinte:

"Olha, eu tenho lixo na minha casa, mas esse lixo está na lata de lixo. A casa toda não é um lixo".

Acho fundamental que as pessoas vejam que o Brasil não é Sodoma e Gomorra!...

Quando aceitamos atos não-éticos, a consequência

para nossa autoestima, para nossa dignidade, é muito ruim.

Ao longo do tempo, isso vai desencadear uma depressão.

O Brasil está sem heróis.

E nestes tempos nós perdemos uma das nossas grandes heroínas, que foi dona Zilda Arns.

Existem muitas pessoas admiráveis que estão escondidas

nos laboratórios, nas empresas, mas o que acaba havendo

é uma divulgação maior dos nossos anti-heróis.

Nós precisamos valorizar os heróis do dia a dia.

 Precisamos valorizar a professora de ensino fundamental,

a enfermeira do hospital público, o policial que

expõe seu corpo ao perigo, perseguindo o traficante de drogas...

Nós precisamos voltar a valorizar as pessoas do dia a dia,

porque são essas pessoas que criam um lugar melhor para a gente viver.

A única maneira de a gente ter uma vida harmônica é ter uma vida baseada em valores.

A nossa sociedade dá mais importância aos objetivos do que aos valores, e a gente vê esse caos que aí está.

Os valores, como a busca da verdade, o amor, a cooperação,

fazem a sua personalidade, sua alma, sua estrutura de vida ficarem mais fortes.

E aí você vai materializando seus sonhos.

O equilíbrio nasce sempre do respeito aos valores.

Pense sobre isso!

Um abraço,

Dr. Roberto Shinyashiki é Psiquiatra e Escritor

www.abmpdf.com

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Clique no link abaixo e leia o artigo que escrevi sobre este tema:
http://shinyashiki.uol.com.br/index.php/artigos-detalhe/105/despertar-E-preciso
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www.abmpdf.com

 

quarta-feira, 5 de maio de 2010

 

A complicada arte de ver


Ela entrou, deitou-se no divã e disse:

 "Acho que estou ficando louca".

Eu fiquei em silêncio aguardando que ela me revelasse os sinais da sua loucura.

"Um dos meus prazeres é cozinhar.

Vou para a cozinha, corto as cebolas, os tomates, os pimentões - é uma alegria!

Entretanto, faz uns dias, eu fui para a cozinha para fazer aquilo que já fizera centenas de vezes:

cortar cebolas.

Ato banal sem surpresas. Mas, cortada a cebola, eu olhei para ela e tive um susto.

Percebi que nunca havia visto uma cebola.

Aqueles anéis perfeitamente ajustados, a luz se refletindo neles:

tive a impressão de estar vendo a rosácea de um vitral de catedral gótica.

De repente, a cebola, de objeto a ser comido, se transformou em obra de arte para ser vista!

E o pior é que o mesmo aconteceu quando cortei os tomates, os pimentões...

Agora, tudo o que vejo me causa espanto."

Ela se calou, esperando o meu diagnóstico.

Eu me levantei, fui à estante de livros e

de lá retirei as "Odes Elementales", de Pablo Neruda.

Procurei a "Ode à Cebola" e lhe disse:

 "Essa perturbação ocular que a acometeu é comum entre os poetas.

Veja o que Neruda disse de uma cebola igual àquela que lhe causou assombro:

'Rosa de água com escamas de cristal'.

Não, você não está louca.

Você ganhou olhos de poeta... Os poetas ensinam a ver".

Ver é muito complicado.

Isso é estranho porque os olhos, de todos os órgãos dos sentidos,

são os de mais fácil compreensão científica.

A sua física é idêntica à física óptica de uma máquina fotográfica:

o objeto do lado de fora aparece refletido do lado de dentro.

Mas existe algo na visão que não pertence à física.

William Blake sabia disso e afirmou:

"A árvore que o sábio vê não é a mesma árvore que o tolo vê".

Sei disso por experiência própria. Quando vejo os ipês floridos,

sinto-me como Moisés diante da sarça ardente: ali está uma epifania do sagrado.

 Mas uma mulher que vivia perto da minha casa decretou

a morte de um ipê que florescia à frente de sua casa porque ele sujava o chão,

 dava muito trabalho para a sua vassoura.

Seus olhos não viam a beleza. Só viam o lixo.

Adélia Prado disse: "Deus de vez em quando me tira a poesia.

Olho para uma pedra e vejo uma pedra".

Drummond viu uma pedra e não viu uma pedra.

A pedra que ele viu virou poema.

Há muitas pessoas de visão perfeita que nada vêem.

"Não é bastante não ser cego para ver as árvores e as flores.

Não basta abrir a janela para ver os campos e os rios",

escreveu Alberto Caeiro, heterônimo de Fernando Pessoa.

O ato de ver não é coisa natural.

Precisa ser aprendido.

Nietzsche sabia disso e afirmou que a primeira tarefa da educação é ensinar a ver.

O zen-budismo concorda, e toda a sua espiritualidade é uma busca

da experiência chamada "satori", a abertura do "terceiro olho".

Não sei se Cummings se inspirava no zen-budismo, mas o fato é que escreveu:

"Agora os ouvidos dos meus ouvidos acordaram

e agora os olhos dos meus olhos se abriram".

Há um poema no Novo Testamento que relata a caminhada

de dois discípulos na companhia de Jesus ressuscitado.

Mas eles não o reconheciam. Reconheceram-no subitamente: ao partir do pão, "seus olhos se abriram".

Vinicius de Moraes adota o mesmo mote em "Operário em Construção":

"De forma que, certo dia, à mesa ao cortar o pão,

o operário foi tomado de uma súbita emoção, ao constatar assombrado

 que tudo naquela mesa - garrafa, prato, facão - era ele quem fazia.

Ele, um humilde operário, um operário em construção".

A diferença se encontra no lugar onde os olhos são guardados.

Se os olhos estão na caixa de ferramentas,

eles são apenas ferramentas que usamos por sua função prática.

Com eles vemos objetos, sinais luminosos,

nomes de ruas - e ajustamos a nossa ação.

O ver se subordina ao fazer. Isso é necessário.

Mas é muito pobre. Os olhos não gozam...

Mas, quando os olhos estão na caixa dos brinquedos,

 eles se transformam em órgãos de prazer: brincam com

o que vêem, olham pelo prazer de olhar, querem fazer amor com o mundo.

Os olhos que moram na caixa de ferramentas são os olhos dos adultos.

Os olhos que moram na caixa dos brinquedos, das crianças.

Para ter olhos brincalhões, é preciso ter as crianças por nossas mestras.

Alberto Caeiro disse haver aprendido a arte de ver com um menininho,

 Jesus Cristo fugido do céu, tornado outra vez criança,

eternamente: "A mim, ensinou-me tudo.

Ensinou-me a olhar para as coisas.

 Aponta-me todas as coisas que há nas flores.

Mostra-me como as pedras são engraçadas

quando a gente as têm na mão e olha devagar para elas".

Por isso - porque eu acho que a primeira função da educação é ensinar a ver

- eu gostaria de sugerir que se criasse um novo tipo de professor,

um professor que nada teria a ensinar, mas que se dedicaria

a apontar os assombros que crescem nos desvãos da banalidade cotidiana.

Como o Jesus menino

do poema de Caeiro.

Sua missão seria partejar "olhos vagabundos"...

Rubem Alves é Psicanalista, Escritor e Professor da Unicamp 

www.abmpdf.com

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