Crônica
da loucura
Por
Mário Prata
O melhor da Terapia é ficar observando os meus colegas loucos.
Existem dois tipos de
loucos. O louco propriamente dito e o que cuida do louco: o analista, o
terapeuta, o psicólogo e o psiquiatra.
Sim, somente um louco
pode se dispor a ouvir a loucura de seis ou sete outros loucos todos os dias,
meses, anos. Se não era louco, ficou.
Durante quarenta anos, passei longe deles.
Pronto, acabei diante
de um louco, contando as minhas loucuras acumuladas. Confesso, como louco
confesso, que estou adorando estar louco semanal.
O melhor da terapia é chegar antes, alguns minutos e ficar observando os meus colegas loucos na sala de espera.
Onde faço a minha
terapia é uma casa grande com oito loucos analistas.
Portanto, a sala de
espera sempre tem três ou quatro ali, ansiosos, pensando na loucura que vão
dizer dali a pouco.
Ninguém olha para
ninguém.
O silencio é uma
loucura.
E eu, como escritor, adoro observar pessoas, imaginar os nomes, a profissão, quantos filhos têm, se são rotarianos ou leoninos, corintianos ou palmeirenses. Acho que todo escritor gosta desse brinquedo, no mínimo, criativo.
E a sala de espera de
um "consultório médico", como diz a atendente absolutamente normal (apenas uma
pessoa normal lê tanto Paulo Coelho como ela), é um prato cheio para um louco
escritor como eu.
Senão, vejamos: Na
última quarta-feira, estávamos: (1) eu, (2)um crioulinho muito bem vestido, (3)
um senhor de uns cinqüenta anos e (4)uma velha gorda.
Comecei, é claro, imediatamente a imaginar qual seria o problema de cada um deles.
Não foi difícil,
porque eu já partia do principio que todos eram loucos, como eu. Senão, não
estariam ali, tão cabisbaixos e ensimesmados.
(2) O pretinho, por
exemplo.
Claro que a cor, num
país racista como o nosso, deve ter contribuído muito para levá-lo até aquela
poltrona de vime.
Deve gostar de uma
branca, e os pais dela não aprovam ou não conseguiu entrar como sócio do
"Harmonia do Samba"?
Notei que o tênis
estava um pouco velho. Problema de ascensão social, com certeza.
O olhar dele era
triste, cansado. Comecei a ficar com pena dele.
Depois notei que ele
trazia uma mala. Podia ser o corpo da namorada esquartejada lá dentro. Talvez
apenas a cabeça.
Devia ser um
assassino, ou suicida, no mínimo. Podia ter também uma arma lá dentro.
Podia ser perigoso.
Afastei-me um pouco
dele no sofá. Ele dava olhadas furtivas para dentro da mala
assassina.
(3) E o senhor de
terno preto, gravata, meias e sapatos também pretos? Como ele estava sofrendo,
coitado.
Ele disfarçava, mas
notei que tinha um pequeno tique no olho esquerdo.
Corno, na certa. E
manso. Corno manso sempre tem tiques. Já notaram? Observo as mãos. Roía as
unhas. Insegurança total, medo de viver.
Filho drogado? Bem
provável.
Como era infeliz esse
meu personagem. Uma hora tirou o lenço e eu já estava esperando as lágrimas
quando ele assoou o nariz violentamente, interrompendo o Paulo Coelho da outra.
Faltava um botão na camisa.
Claro, abandonado pela
esposa.
Devia morar num flat,
pagar caro, devia ter dívidas astronômicas. Homossexual?
Acho que não.
Ninguém beijaria um
homem com um bigode daqueles. Tingido.
(4) Mas a melhor, a mais doida, era a louca gorda e baixinha.
Que bunda imensa. Como
sofria, meu Deus.
Bastava olhar no rosto
dela. Não devia fazer amor há mais de trinta anos.
Será que se
masturbaria? Será que era esse o problema dela? Uma velha masturbadora?
Não! Tirou um terço da
bolsa e começou a rezar.
Meu Deus, o caso é
mais grave do que eu pensava.
Estava no quinto
cigarro em dez minutos. Tensa.
Coitada. O que deve
ser dos filhos dela?
Acho que os filhos não
comem a macarronada dela há dezenas e dezenas de domingos.
Tinha cara também de
quem mentia para o analista. Minha mãe rezaria uma Salve-Rainha por ela, se a
conhecesse.
Acabou o meu tempo. Tenho que ir conversar com o meu psicanalista.
Conto para ele a minha
"viagem" na sala de espera.
Ele ri, ri muito, o meu psicanalista e diz:
"(2 ) O Ditinho é o
nosso office-boy.
(3) O de terno preto é
representante de um laboratório multinacional de remédios lá no Ipiranga e passa
aqui uma vez por mês com as novidades.
4) E a gordinha é a
Dona Dirce, a minha mãe.
E (1) você, não vai
ter alta tão cedo..."