“Psicanálise é a Verdade inaceitável e Insuportável”
“Eles não sabem que estamos
levando a Peste”
Freud (1909)
Desde
sua criação por Freud a psicanálise é fato um percurso vai encarando a oposição
dos indivíduos da sociedade e da sua época; Ainda talvez hoje ainda exista muita oposição ao saber e as técnicas
freudianas. Em algumas instituições criou-se uma espécie de dogma em torno da
psicanálise, que se serve como prato para dissidência entre os próprios
psicanalistas ao longo do percurso.
O
próprio Freud quando, ao retraçar, em 1914, a História do Movimento
Psicanalítico, apresenta um extenso inventário das resistências à
psicanálise.
Freud
relata que grandes números de seus discípulos iniciais destacaram alguns como:
(Adler, Jung, Rank) deixaram de aderir em algum momento às suas teses e
fundaram suas próprias teorias.
Na
verdade, a própria teoria psicanalítica freudiana apresenta os meios para
esclarecer quais foram os motivos do repúdio as idéias de Freud que
inicialmente num primeiro momento verdades sempre “impactantes” a respeito da
natureza do “Inconsciente” humano.
Dr.
Freud tinha todos esses acontecimentos em mente e quando foi viajar para os EUA
em 1909, comentou com Jung que o acompanhava com os americanos. –
-
“Eles não sabem estou levando-lhes a peste”.
Com
a eminente recusa as idéias freudianas com relação à mente humana
(inconsciente) e sua estrutura psíquica. Sempre Freud foi colocado em “Xeque”.
Mas a própria psicanálise vê isso como a verdade de cada “sujeito e sua
história” e se está em elaboração simbólica dos seus conteúdos “Inconscientes”
a revelação freudiana parece uma “verdade inaceitável, insuportável pelo ser
humano racional.”
A
verdade inaceitável e insuportável é demonstrar que há algo que age neles à
“revelia” ou mais do que isso, algo a partir do que eles agem sem saber que o
fazem.
Em
1909 Freud revela e implica com sua teoria freudiana do inconsciente: a
presentificação de uma divisão constitutiva “psíquica” que revela de fato que
os homens não são senhores de si mesmos.
Freud
ressaltava ainda que uma aceitação imediata da sua teoria fosse do mesmo modo
quase impossível, mas ao mesmo tempo reveladora.
Freud
achava que naquele instante que houve uma ação de resistência à sua tese sobre
o psiquismo humano (inconsciente)
até porque, acarretando uma aceitação sem conseqüências subjetivas, seria menos
eficaz neutralização do que ele radicalmente trouxe como novo modelo de
pensamento para o inconsciente e sua estrutura psíquica.
Hoje
podemos observar em todo o mundo, paralelamente o aumento da difusão da
psicanálise junto ao público pelos diversos meios da imprensa, embora aliado
a isso um crescente desconhecimento da especificidade do pensamento freudiano,
uma crescente vinculação dogmática expandindo não mais a psicanálise freudiana,
mas alguma coisa vincular a laços de religiosidade, onde se tenta dizer ou
fazer aquilo que justamente não é Psicanálise.
“Já
dizia prof. Edmar: “O Sagrado é proporcional as minhas necessidades” e
complemento nem que isso, e não as “minhas verdades” e logro também aqui
a fala do Prof. Gilberto Safra: “ Fazemos tamponamento da Verdade que não
podemos Aceitar”
Se
tal desconhecimento não pôde ser detido em sua escalada, isto se deve ao
trabalho rigoroso e fecundo de reconsideração dos fundamentos da obra de Freud
que foi empreendido pelo psicanalista francês Jacques Lacan.
Entretanto,
não é em toda parte que a obra de Lacan tem merecido acolhida.
Texto
originalmente escrito em 1987 para a Enciclopédia Britânica e permanecido
inédito.
Partindo
de sua experiência inaugural com as pacientes histéricas.
Freud
não tarda a outorgar à sua teoria uma abrangência absoluta.
Desse
modo, a fronteira entre o normal e o patológico, nitidamente demarcada pelo
discurso da medicina, acha-se problematizada de saída pela tese freudiana do
determinismo psíquico inconsciente.
Freud
destaca a ação do desejo inconsciente num amplo espectro de fenômenos até então relegados a um plano
desimportante (como o sonho, o esquecimento de palavras e nomes, o ato
falho, o chiste), ou, ainda, naqueles cuja estrutura se revelara até então
ininteligível pelos discursos médico e psiquiátrico (sintomas neuróticos,
delírios psicóticos, perversões sexuais).
Na
análise de todos estes fenômenos, o denominador comum foi depreendido e sempre
pelo trabalho, pesquisa e estudos de Freud:
A
expressão para acessar esse “Inconsciente” freudiano foi por meios distorcidos
pela censura psíquica, de uma verdade à qual o sujeito não tinha acesso
conscientemente.
Todo
sujeito e cada um sob uma forma específica, um sentido ocultado por efeito do
recalcamento, era o agente da produção de uma formação do inconsciente.
Qual
para se fazer presente necessitava de uma expressão indireta e que deformava para
o sujeito em questão o desejo inconsciente em jogo.
Na
Psicopatologia da vida cotidiana Freud dedica-se a mostrar sua exaustiva de sua
tese do determinismo psíquico para evidenciar que nenhuma de nossas
ações escapa à sobre determinação inconsciente.
Freud
explica a elaboração da repetição de da força dos mecanismos de defesa do
inconsciente.
Para
exemplificar a repetição, Freud se vale da interpretação dos sonhos.
Os
sonhos revelam conteúdos inconscientes, desejos reprimidos (verdadeiros ao
sonhador) (os sonhos são centrados na revelação de conteúdos reprimidos ou
traumáticos). Cujo caráter revela a ação de uma força que ultrapassa aquelas
que regulam a busca da homeostase na qual se baseia o princípio de prazer.
Quando
se inicia no processo de “análise” muitos pacientes começam a se lembrar dos
seus sonhos e durante as sessões e é gradativamente possível a interpretação de
cada sonho seja em sua totalidade ou fragmentado.
Neuróticos
normalmente sonham e Psicopatas deliram acordado
Como
postulado sobre o inconsciente de Freud atingiu “certeiramente” a hipótese
reconfortante sobre o livre arbítrio.
Desse
modo, golpeia simultaneamente o narcisismo dos homens, revelando a este algo
difícil de ser por eles assimilado – o fato de que se acham, em suma,
descentrados em relação a si mesmos.
Para
Freud, toda escolha, todo ato, preferência, por mais banal ou casual que possa
parecer, encontra-se determinado por elementos que transcendem qualquer deliberação
da vontade racional consciente.
Vê-se,
com isso um grau de dificuldade que seus postulados colocam em: aceitá-los
verdadeiramente. E isso implica necessariamente em passar pela experiência de
fazer sua (análise pessoal), daí encontramos a significação de algum modo,
despojar-se da ilusão (imago) de si mesmo, para a imago do (real), sem
tamponamento do seu real desejo.
É
somente nessa “vivência” de “análise pessoal” que se conhece a “Psicanálise em
essência”.
Disso
pode advir o libertar-se de muitos tamponamentos e acatar aquilo que nos
apresenta diante de “si” como uma verdade terrível e inaceitável. A psicanálise
é uma ciência da livre arte (do pensamento humano) onde uma vez se iniciado,
corre-se o sério risco de nunca mais ser o mesmo que se achava ser no “real de
mim mesmo”.
Precisamente
é uma espécie de libertação é num sentido freudiano de que a ilusão que é nutrida pela instância
psíquica do eu (ou ego) segundo a tradução inglesa do Ich freudiano),
cujo caráter unitário, íntegro se opõe veementemente ao caráter
originalmente cindido, dividido do sujeito do inconsciente.
A
distinção categórica entre o eu e o sujeito do inconsciente foi estabelecida
por Lacan, ao ressaltar que era justo no “eu”.
Freud situava não apenas a instância produtora do recalque
como também a sede da maior resistência às descobertas psicanalíticas.
Em
seu trabalho sobre O estádio do espelho, com efeito, Lacan aborda o momento, destacado pela psicologia do
desenvolvimento, em que, entre os 6 e 18 meses, o infans (aquele
que não fala) tem a percepção, confirmada pelo assentimento de um
terceiro, de sua própria imagem no espelho, e vivencia tal percepção com
júbilo. Neste instante, forma-se a matriz
identificatória original do eu, imagem
unitária que lhe fornece uma
ilusão de completude.
Se
tal imagem surge para o bebê enquanto apaziguadora – pois lhe permite a vivência de uma unidade
corporal que substitua o anterior estado do corpo parcial, espedaçado, por
outro lado, ela apresenta desde já um valor letal, origem das
manifestações agressivas.
Ao
perceber seu “eu” naquela imagem, é criado para o bebê um abismo
incolmatável que lhe revela
que seu próprio eu está dissociado dele mesmo de modo inarredável.
A
partir disso o infante terá marcado para sempre em seu território, nessa imagem de um ideal do “eu” cuja força
cativante tem o valor de uma verdadeira estátua pregnante.
Uma
teoria tão em voga ainda hoje como a do eu autônomo, introduzida pelo
psicanalista
Heinz Hartmann, encontra aqui sua crítica mais radical.
Se
o sujeito se manifesta, para Freud, essencialmente por meio do conflito, a
suposição de uma esfera isenta de todo e qualquer conflito, como a de um eu
autônomo, constitui na verdade um ideal ilusório, uma miragem imaginária.
Embora
o nome de Freud tenha muito rapidamente sido associado à idéia de sexo, poucas
vezes o é atribuído por Freud à sexualidade que é resgatando corretamente a
concepção que Freud introduz sobre a sexualidade, que era inteiramente nova e
não poderia ser confundida com as noções que o senso comum, muitas vezes camuflado
sob uma máscara de pseudo-cientificidade, lhe atribui.
A
noção de sexualidade em Freud possui um valor particular se referenciada aos
seus postulados fundamentais sobre o recalque e o inconsciente e a
estrutura psíquica.
Freud
parte do princípio da escuta e observação de que os sintomas neuróticos
apresentam sentido que se revelam em análise e o caráter sexual se desnuda na medida em
que a sexualidade no neurótico se acha perpassada, de
modo latente, por aqueles mesmos elementos
que na sexualidade perversa (da qual o fetichismo é o exemplo
princeps) surgem de modo manifesto.
Voltando
se para formas da sexualidade perversa,
Freud se dá conta de que aquilo
que era condenado socialmente enquanto desvio,
ou até mesmo degeneração sexual, encontra
na verdade a expressão mais corriqueira em todos os indivíduos normais,
esse fato se demonstra pela constatação feita pela psicanálise da
universalidade das chamadas perversões sexuais e deve-se a
uma disposição inata comum a toda a humanidade.
Freud
constata que contrario às outras espécies animais, que o ser humano
não apresenta no seu nascimento uma
indicação demarcada quanto ao parceiro
sexual a ser procurado.
Se
tal afirmação pode de início parecer aberração, ela se demonstra facilmente
pela inexistência de uma pré-definição da sexualidade humana. Visto que nós
“seres humanos” não usamos a nossa sexualidade de acordo com os ciclos
biológicos determinadas para reprodução como no reino animal.
Assim
não há para os humanos os períodos de cio ou reprodução pré-definidade como no reino animal.
A
sexualidade humana se revela o quanto é complexa e desvinculada dos
fins específicos somente de reprodução e perpetuidade da própria espécie
freudianamente dizendo.
Ainda
é questionável visto que no “reino animal / da própria” espécie segundo legado
da biologia, alguns “animais irracionais” se se atacam entre “Si” ou seu
semelhante para, mas instintivamente somente para defender seu território,
conquistar sua fêmea, conquistar a liderança entre o clã.
Coisa
que já não é peculiar no comportamento humano que se mata um ao outro por nada,
um aparenta vazio das inscrições paterna ou materna de cunho edílico
(sociopático)
Voltando
a fala sobre a sexualidade em Freud.
Freud
descobre que a ação dos ciclos periódicos da natureza humana é subvertida, a
sexualidade humana é diferente da dos animais.
Essa
ação é de que somos seres com uma “linguagem” (inconsciente).
Desse
modo o ser humano adquire uma tão absoluta quanto poderosa força e influência
sobre suas vidas.
Para
o ser falante (simbólico) a sexualidade não se restringirá ao ato sexual enquanto conjunção dos órgãos genitais. Mas se
revelará em outras atividades aparentemente desprovidas de um cunho sexual: o
ato do olhar, a leitura, os esportes, as funções fisiológicas de excreção, a
respiração isso é para apenas dar alguns exemplos, são todas atividades
imbuídas de elementos sexuais.
Se
Freud isola as práticas sexuais chamadas de perversas, os mesmos elementos que
compõem a sexualidade considerada normal são na medida em que em ambas achamos os resíduos da ação remanescente da
sexualidade infantil, na qual ele observou uma disposição perversa polimorfa
originária.
Um
dos pólos geradores de maior resistência à teoria freudiana da sexualidade se
encontra precisamente na sua concepção
de uma sexualidade múltipla, errática, desconcertante e, além disso, calcada
nas vivências primevas da infância.
Nestas
constatações Freud esclarece que à força que rege os impulsos sexuais no ser humano o nome não de instinto (cujo
funcionamento supõe um objeto sexual previamente definido), mas de pulsão,
não sendo este como aquele regido por ciclos biológicos pré- estabelecidos,
mas sim pela ação contínua da linguagem.
A
pulsão é freudianamente a responsável pelas chamadas fases de desenvolvimento
da libido:
Fases:
– Oral Anal e Fálica -, o
desenvolvimento dessas fases dão a ação sobre esta ou aquela zona erógena nas
diversas etapas da existência inicial da criança.
Se
as bordas ou orifícios do corpo se revelam de início como verdadeiros pólos de
imantação zonas erógenas nos quais são associados não só para a obtenção do prazer como a satisfação
de necessidade imediata.
Não
obstante qualquer região do corpo pode ser revelada também passível
(histericamente) de ser erogeneizada para o não encontro com o gozo próprio.
É
a partir do Outro, lugar da
palavra, como veio a precisar Lacan, que a criança obterá meios para
constituir sua sexualidade particular.
Se
a Criança não possui a designação sexual previamente delimitada (o que Freud formula através da constatação da
inexistência da inscrição da diferença sexual no inconsciente) é somente por
intermédio da Ação da linguagem sobre seu ser que poderá vir a obtê-la.
Essa
é a ação que produz um sujeito, enquanto efeito da linguagem, por isso mesmo esta o sujeito, como seu próprio
nome, através da sabedoria maior da língua, indica.
Freud
alude em suas teorias sexuais infantis, modo pelo qual a criança poderá
constituir uma fantasia sexual inconsciente que passará a mediatizar por toda
sua vida seu encontro com o real. (Lacan)
Essa
fantasia constitui precisamente o princípio de realidade para cada sujeito, o que acentua que a noção de realidade introduzida
pela psicanálise é inteiramente nova, refere-se a uma realidade psíquica
singular (única) e remete ao momento mesmo de constituição do sujeito.
O
corpo de que trata a psicanálise (é
corpo psíquico, (não entender como corpo Espiritual, místico ou de cunho
religioso).
O
Corpo da Psicanálise é abstrato sutil e de (linguagem) esse corpo psicanalítico
é adverso daquele (Corpo) que é objeto das ciências da biologia, da fisiologia
e da anatomia.
O
corpo psíquico (analítico) é recortado pelo simbólico, o corpo pulsional (é bem
assim que é preciso denominá-lo) é
radicalmente heterogêneo ao imaginário da anatomia corporal e – fato tão
decisivo quanto espantoso – não está apenas súbdito a nenhuma lei
natural.
É
assim que cabe à psicanálise hoje,
fazer a crítica de inúmeras práticas ditas de terapia corporal, as quais,
calcadas precisamente no ideal obscurantista de um retorno à natureza,
desconhecem o fato de que o corpo é também construído por meio de uma
linguagem, só por está “linguagem” é abordável, e que, enquanto tal, o
corpo é partícipe de um real ao qual é impossível ter acesso.
(inconsciente).
Com
o ensino de Jacques Lacan tornou-se
possível dar uma conseqüência efetiva à necessidade de desvinculação dessas duas
práticas e diferenciar de modo preciso os discursos que estão em jogo em cada
uma delas.
De
uma maneira geral, trata-se nesta diferenciação sobre tudo da forma pela qual o
psicanalista e o médico estão inseridos em suas práticas, o que acarretará efeitos
cruciais no modo pelo qual ambos passam a lidar com o outro.
A
prática psicanalítica retira sua eficácia, paradoxalmente justo na medida em
que o psicanalista prescindir da utilização do saber psicanalítico constituído.
Tal
fato, de saída impactante, constitui talvez a maior dificuldade da prática da
psicanálise e era um dos motivos que levavam Freud a afirmar que a
psicanálise era uma profissão impossível se unir-se a outra.
A
postulação freudiana de que cada caso clínico devia ser abordado como se fosse o primeiro, em sua radical
singularidade.
É
a esse título que Freud afirmava ainda que, na prática da análise, a
pesquisa e o tratamento caminhavam juntos, sobre o que Lacan viria a
insistir posteriormente ao ressaltar que aprendia simplesmente tudo de seus
analisando.
A
postura do psicanalista, denominada por Lacan de ignorância douta para designar
a forma refinada de um saber que inclui um não-saber, não é, na verdade, um
mero princípio a ser seguido tecnicamente, mas sim efeito da experiência
pessoal pela qual o psicanalista necessariamente passou em sua análise: o
saber que se revela na experiência psicanalítica é da ordem do particular, não
se presta à generalização, não pode ser dominado por qualquer espécie de mestria.
O
saber que está em jogo é o saber inconsciente, cuja característica primordial é o estabelecimento de uma
descontinuidade, de uma ruptura em toda forma de saber consciente.
É
assim que, à emergência da verdade do inconsciente, são surpreendidos,
simultaneamente, o analista e o analisando.
Para
Freud, a cura analítica não implicava em objetivos terapêuticos, os quais, na verdade, acarretavam um perigo para
ela e o desaparecimento dos sintomas representava, antes, um efeito do trabalho
da análise do que propriamente seu objetivo, pois trazendo-os para o registro
da palavra através da ação do desrecalcamento, a
consistência deles é dissolvida.
Qualquer
um que se dedique, hoje, ao estudo
da psicanálise não pode deixar de estudar também
os seminários de Jacques Lacan (1901-1981).
Lacan
foi erroneamente considerado, de início, enquanto estruturalista.
Lacan
nunca o foi de fato, pois, embora parte do seus desenvolvimentos iniciais
tenham se valido da lingüística estrutural criada por
Ferdinand de Saussure, na verdade sua concepção de
estrutura difere fundamentalmente daquela do
estruturalismo: implicando no inconsciente, a estrutura que está em
jogo para Lacan não é fechada, mas aberta.
Formado
em medicina, sua tese de psiquiatria da psicose paranóica em suas relações com
a personalidade constitui, de fato, já a primeira incursão de Lacan no campo
propriamente psicanalítico.
Nela,
é precisamente toda a tradição psiquiátrica que é criticada, à luz
do debate então emergente
entre as correntes
psiquiátricas organogenéticas e
psicogenéticas, a partir da perspectiva freudiana, a partir desta
perspectiva que Lacan dará relevo, na análise de um caso de paranóia, o caso
Aimée, ao mecanismo de autopunição, cuja inteligibilidade só é destacável a
partir do conceito freudiano de inconsciente.
Da
psicose paranóica obteve uma notável acolhida por parte dos surrealistas,
primeiros a atribuírem, na França, importância para a elaboração freudiana. Após sua publicação, Lacan, que desfrutava de um
convívio com o grupo surrealista, foi convidado para escrever na revista
surrealista Minotaure.
Além
disso, foi após a leitura de Da psicose paranóica que Salvador Dali criou seu
método paranóico-crítico, o qual
viria a dar um novo fôlego para o movimento surrealista, pois supunha uma
atividade crítico-interpretativo que se opunha à passividade inerente aos
métodos da escrita automática introduzida por André Breton.
Através
de um movimento por ele próprio intitulado de retorno a Freud, Lacan efetivou na verdade um rebatimento da teoria
psicanalítica sobre si mesma, ou se quisermos, uma espécie de psicanálise da
própria psicanálise.
Após
a morte de Freud, a psicanálise passara a trilhar desvios ideológicos
incompatíveis com aquilo que o mestre vienense avançara, Lacan promove a
incidência sobre a teoria psicanalítica dos elementos mesmos que ela adianta.
Foi
sempre considerando a leitura de Freud como infinitamente mais fecunda que a de um Feneceu, por exemplo, autor de um manual
sobre psicanálise, utilizado nos institutos de formação psicanalítica em
detrimento da leitura do próprio Freud, Lacan veio a destacar conceitos que
haviam desaparecido nas traduções de sua obra.
Alguns
exemplos disso são o conceito de Verwerfung, foraclusão,
introduzido por Freud para abordar as
psicoses; a categoria de
Nachträglich, o só - depois, fundamental para a
compreensão da temporalidade lógica particular que
preside o funcionamento do inconsciente; o conceito de
Trieb, pulsão, introduzido por Freud para destacar a especificidade da
sexualidade humana e que fora homogeneizado à
noção de instinto pelos
pós-freudianos; o conceito de Verneinung,
denegação, modo pelo qual o sujeito
chega a poder enunciar uma verdade
desde que negando-a, também tem sua importância ressaltada pela leitura
de Freud feita por Lacan.
Desde
o início de seu ensino, Lacan reintroduz no seio da experiência
psicanalítica a importância fundadora da palavra, fato esquecido pelos pós-freudianos. E, se a
supremacia da palavra no contexto da cura é salientada por Lacan, do
mesmo modo o é a utilização da palavra por
parte do psicanalista.
Assim,
Lacan dá seu próprio exemplo através de seus Escritos, cuja dificuldade de
leitura procede de uma verdadeira estratégia metodológica: o pacificando seu sentido, elevando-os a um intenso
grau de densidade textual, Lacan promove a requisição de que o sujeito se
inclua efetivamente no ato da leitura, assim como traz à demonstração teórica
uma verossimilhança ímpar, aproximando-a da forma particular de exegese que
o psicanalista deverá operar em sua prática.
Por
isso, o teor poético de seus escritos é exemplar da utilização rigorosa da
palavra enquanto meio precioso e supremo do qual se vale a psicanálise.
A
crítica feita a Lacan de preciosismo se esquece de que a rigor é impossível não
sê-lo quando se trata da palavra.
Dessa
ênfase posta na palavra, decorre a constituição da lógica lacaniana do
significante, a qual, partindo das noções introduzidas pela lingüística
estrutural de Saussure, subverte-as ao articulá-las com a categoria do sujeito,
excluída da lingüística.
As
intervenções estabelecidas por Lacan no campo da teoria psicanalítica podem ser
repartidas a grosso modo, sob três rubricas gerais: questões pertinentes à direção da cura
analítica, contribuições à
metapsicologia da psicanálise e
desenvolvimentos relativos à problemática da transmissibilidade
da psicanálise.
Quanto
aos problemas colocados pela direção da cura, o trabalho de Lacan, simultaneamente ao resgate das
postulações freudianas essenciais, é o de uma veemente
crítica aos desvios engendrados pelos
psicanalistas pós-freudianos em suas práticas.
Seguindo
a recomendação freudiana que indicava para o analista uma posição de
neutralidade, sede de um não - agir
positivo, Lacan redefine o lugar do analista enquanto o lugar do morto. Tal
formulação implica precisamente em que o analista esteja morto quanto à própria
subjetividade, a qual não pode estar presente no ato analítico sob pena de
obliterar sua escuta.
Daí
para frente Lacan passa a criticar a
utilização, difundida universalmente, sobretudo pelos
trabalhos de Heinrich Racker, da chamada
contratransferência do analista (sentimentos e idéias
evocados no analista pelo discurso do
analisando), enquanto meio técnico, pois ela se calca na
suposição da existência de uma relação intersubjetiva
entre o analista e o analisando.
Esta
suposição é imaginária, depende de uma concepção da análise enquanto uma relação dual,
especular, de eu a eu, e tem em seu horizonte o objetivo de
identificar o eu do analisando ao eu do analista, perpetuando assim uma
alienação imaginária que, na verdade, a análise deve visar suprimir.
O
desvio na prática era uma decorrência da ação cada vez mais centrada no eu
pelos pós-freudianos, que passaram a
valorizar no manejo técnico a análise das resistências. Lacan veio ainda
aí estabelecer uma importante retificação, demonstrando que voltar a atenção
para a resistência constitui, com efeito, uma
resistência do analista.
Se
a palavra é fundadora e seu valor é absoluto na psicanálise. É absoluto na
medida em que ela constitui o único meio do qual a psicanálise dispõe, Lacan vem a empreender uma veemente crítica
ainda aos analistas que se valiam de noções decorrentes da idéia de uma
comunicação não-verbal e, através desta, só faziam objetificar o analisando.
Para
a psicanálise, com efeito, todos os atos, gestos, mímicas, afetos estão na
estrita dependência do simbólico e
nela trata- se precisamente de dar a palavra àquilo que até então só
encontrava expressão através do sintoma.
Antes
de serem não-verbais, estes são na verdade hiper-verbais, mas, no
entanto, apenas trazendo-os ao regime da palavra pode o sujeito realizar-se
plenamente.
Tal
crítica lacaniana implica em que na psicanálise de crianças, por exemplo, a
técnica de utilização do desenho e do jogo possa ser utilizada mas desde que acompanhada pela
enunciação da criança; ou, ainda, que os afetos
preservem sua importância desde que seu mero
extravasamento não seja considerado como
o objetivo maior da cura, mas sim a
assunção subjetiva de seu sentido através, ainda e sempre, da enunciação.
Paralelamente
ao resgate para a teoria psicanalítica da importância
da palavra e da linguagem, Lacan toma
para si o encargo de
obter para aquela alguma
forma de transmissibilidade.
Esta
questão se revela fundamental na medida em que, se para Freud não se
colocava a questão da não-cientificidade da
psicanálise, sabe-se das críticas sofridas por esta
desde sempre pela epistemologia da ciência.
Não
poderíamos nos estender sobre este ponto complexo no quadro deste ensaio, mas digamos sucintamente que
tais balizas residem, por um lado, na recorrência à topologia matemática (por
exemplo, à banda de Moebius, para ilustrar a topologia do sujeito), à teoria
dos nós (com a utilização do nó borromeano para demonstrar a
tripartição estrutural entre Real, Simbólico e Imaginário), e,
por outro lado, no estabelecimento gradual ao longo de seu ensino de uma
álgebra cujas letras (S1, o significante-mestre, S2, o saber, $, o
sujeito dividido entre o par significante, a,
o objeto causa do desejo), ao serem
associadas, constituem fórmulas que Lacan denominou de matemas.
Dois
pontos essenciais nos quais desembocam os matemas
lacanianos são,
por um lado, as fórmulas quânticas da
sexuação, formulação lógica que recorta os
campos do masculino e do feminino
dissociando-os do imaginário da anatomia corporal
e articula o primeiro à fundação fálica fundadora do sujeito e o segundo
a falta inerente ao Outro.
É
por meio desta lógica que Lacan vem a afirmar que a mulher não existe, pois não
existe nenhum sujeito que se inscreva totalmente no
campo do feminino.
Numa
referência ao furo, todo sujeito, mesmo as
mulheres – e estas existem: inscrevendo-se
necessariamente por uma referência fálica, masculina.
A
principal decorrência desta afirmação contundente, no entanto rigorosa, de
Lacan, é outro axioma não menos surpreendente: Se a mulher não existe a relação sexual é
impossível. (Lacan)
Dr. Luiz Mariano
Coordenador Percurso de Psicanálise da ABMP-DF &
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