A
lanterna, a luz e a psicanálise.
A criança estava em sua cama, tentando dormir sem conseguir,
pois pirava em sua imaginação pelo que podia estar embaixo de sua cama. Então,
resolveu enfrentar seu medo: pegou uma lanterna, desceu da cama e jogou um
feixe de luz por debaixo de sua cama e descobriu que não havia nada que
justificasse seu infundado medo.
Depois foi dormir tranquila.
A psicanálise é como aquela lanterna, e não mais do que isso.
O método apenas proporciona luz para que a pessoa descubra o
que há no recôndito de sua mente, tal qual aquela criança fez.
Tenho presenciado profissionais de algumas áreas, em especial
, da psicologia comportamental criticar a psicanálise como conhecimento inútil
ou técnica banal e improdutiva, como se a aplicabilidade dos saberes
psicanalíticos fosse por si só responsáveis pela sua eficácia.
A idéia que me vem à mente é mesmo a de uma lanterna que está
disponível a quem queira de forma competente alocar luz em um ponto obscuro de
um determinado lugar desconhecido.
Nesse caso, não se pode culpar a luz da lanterna pelos
objetos encontrados ou não no ponto escuro que se direciona o foco da lanterna.
A psicanálise não pretende e nunca teve a pretensão de ser
plenamente eficaz a quem quer que dela se utilize. No máximo, a psicanálise é
aquela lanterna que somente os sujeitos corajosos a utilizam para poder
iluminar e desvelar as razões de um comportamento desproporcional, infundado e
aparentemente sem explicação, tal qual o medo daquela criança.
Assim como a criança tem medo do que imaginariamente pode encontrar
no escuro embaixo de sua cama, da mesma forma, adultos temerosos ao conteúdo
recalcado ao longo de sua infância e juventude preferem criticar e
desqualificar a lanterna ao invés de tentar descobrir o que, eventualmente,
pode ser revelado pela luz.
A própria resistência e mecanismo de defesa em utilizar a
lanterna é forte indício do medo pelo desconhecido.
Saber o que provável e realmente tem no escuro é muito melhor
do que continuar com a angústia da fantasia daquilo que imaginariamente poderia
ou não haver lá.
O Dr. Menetrier, professor-chefe e supervisor do grupo que
fazia residência médica no hospital Salpetriè, em Viena, foi ferrenho crítico
das idéias do jovem Freud que, naquela época, estava iniciando seus ensaios
sobre a teoria psicanalítica.
Menetrier chegou a proibir Freud continuar empunhando a
lanterna da psicanálise por medo de enfrentar o desconhecido, mas depois de
algum tempo acabou reconhecendo a importância e eficácia da luz psicanalítica
sobre o lado obscuro do inconsciente e sugeriu ao pai da psicanálise que
“deixasse os escorpiões na caixa escura”.
Tal conselho só é pertinente quando não se tem maturidade,
coragem e, principalmente, suporte técnico profissional adequado para desvelar
conteúdos obscuros recalcados no inconsciente e, depois descobri-los e reconhecê-los,
para então elaborá-los, se assim avaliado necessário.
Me encabula tanto quanto me surpreende ouvir discursos vazios
de profissionais da área psi contra a teoria, método e técnica psicanalítica.
Mesmo que tais profissionais não sejam simpáticos ou fluentes
no saber e prática psicanalítica, pelo menos como cientistas deveriam
considerar a técnica como mais uma opção na busca pela possibilidade saúde abstrata
mental das pessoas.
Nem toda técnica e método se mostra eficiente para todos os
casos e em todas as pessoas. Pessoas diferentes e com diagnósticos semelhantes
reagem diferentemente a determinados princípios ativos medicamentosos e também
a determinadas técnicas psicoterápicas, portanto gostando ou não da psicanálise
quando o profissional da área psi descarta a psicanálise como técnica, ao mesmo
tempo diminui e restringe as possibilidades de amenizar o sofrimento de seus
clientes.
Nem todas as técnicas são eficazes para todas as pessoas e em
todos os casos.
A psicanálise nunca pretendeu ser a melhor ou a mais indicada
para amenizar o sofrimento psíquico de todas as pessoas, mas sempre se colocou
à disposição de quem, independentemente de sua formação, teve interesse
estudá-la, compreendê-la, dominá-la e, por conseguinte, aplicá-la para o bem
comum, individual e coletivo.
Negar a luz não muda ou interfere o que há no escuro. Porém,
quando alguém corajosamente decide usar a lanterna da psicanálise e lançar luz
em seu lado obscuro da mente pode se surpreender, como a maioria se surpreende,
em descobrir que de fato pouco ou nada existia de muito grave a ser resolvido,
mas que por sorrateiramente operar no escuro, fora do campo da consciência, era
de fato conteúdo exponencialmente potencializador dos efeitos colaterais das
vivências mal elaboradas ou mal compreendidas durante o Édipo e a infância.
Quando a ciência pretere técnicas e fecha portas para a
diversidade de possibilidades também se contradiz e encerra sua qualidade e
propriedade científica transformando-se em doutrinas dogmáticas particulares formadoras de prosélitos ao invés
de consolidar-se como fonte de saber formadora de profissionais competentes.
Prof. Chafic Jbeili