“Uma Linda Mulher”
Contardo Calligaris é Psicanalista e Escritor (*)
Se você ama uma mulher por ela ser prostituta, tente entender a fantasia que está atrás de seu amor. Numa cobertura da Vila Leopoldina, em São Paulo, na noite de 19 de maio, Elize Araújo Matsunaga, 30, assassinou o marido, Marcos Matsunaga, 42, com um tiro na cabeça.
Esse fato de crônica tem tudo para se tornar literatura de cordel.
Há o sangue frio de Elize depois do crime.
Além disso, o ciúme foi um dos motivos: na noite do crime, Marcos acabava de ser confrontado por Elize, que conseguira a prova da infidelidade do marido.
Mas, acima de tudo, o que transforma a história do casal em matéria de cordel é o fato de que Marcos encontrou Elize, em 2004, num site de garotas de programa.
Claro, a culpa do crime de 19 de maio é só de Elize, mas o lembrete preventivo é para os homens, embora chegue tarde para Marcos. Se você ama uma mulher que por acaso é prostituta, aí, tudo bem; mas, se você ama essa mulher POR ELA SER prostituta, atenção: nesse caso, seria sábio você se familiarizar com a fantasia que sustenta seu amor.
Todo mundo se lembra de "Uma Linda Mulher", filme adorável de Garry Marshall, em que o rico Edward (Richard Gere) se apaixona por Vivian (Julia Roberts), uma prostituta que ele "levantou" na rua.
De fato, sempre pensei que, depois dos sorrisos do fim do filme, Edward e Vivian acabariam mal -talvez não tão mal quanto Marcos e Elize, mas mal. Por quê? Logo quando Edward decide trazer Vivian para o seu mundo, ele "acha graça" confessar a um amigo que aquela linda mulher que está com ele é uma prostituta de rua.
Prognóstico inelutável.
Na noite do dia 19, segundo a confissão de Elize, Marcos a ameaçou: "Vou te mandar de volta para o lixo de onde você veio". Ele também declarou que, se a mulher quisesse se separar, a filha ficaria com ele, pois será que um juiz daria a guarda da menina a uma prostituta? (Eu aposto que sim, mas sou otimista...).
A sexualidade de muitos homens é patologicamente neurótica: eles olham para o sexo pelo buraco da fechadura do quarto dos pais.
Quando um desses homens ama uma prostituta e se casa com ela, seu ressentimento pode se calar em nome do amor, mas só por um tempo: ainda ele vai puni-la por ter sido e ser para sempre a "puta" que vai com os outros.
(*) Contardo Calligaris é um psicanalista italiano radicado no Brasil.
É colunista da Folha de S. Paulo.